O LEITOR E O POETA
O leitor gosta de um poema
porque pensa que foi ele que o escreveu.
O melhor poeta é aquele que desperta
o poeta adormecido no leitor.
O poeta vê as gotas de chuva na janela
e nas folhas do abacateiro, viu à noite,
antes da chuva,
as estrelas multiplicando-se e apagando-se,
como numa grande brincadeira
– e escreve
– e escreve
como se fosse o leitor.
O poeta é o mais abnegado
e desprendido dos seres: anula-se para que o leitor viva.
O poeta morde o lábio, morde a língua e sangra.
A poesia é feita de sangue, não de palavras.
Estas são
um disfarce para a dor, cacos do espelho que chamamos
de poema.
O relógio resmunga na parede, como se fosse
dono do tempo.
O relógio resmunga na parede, como se fosse
dono do tempo.
Vai medindo, compassadamente,
a minha morte individual, diz o poeta, pensando
na morte coletiva.
O poeta pensa no seu irmão, o leitor,
tão íntimo e estranho ao mesmo tempo.
O leitor que lê
O leitor que lê
o poema como se tivesse ele próprio traçado, linha a linha,
aquelas linhas, aquelas palavras, aquelas imagens
que pulsam no bolso e, por pouco, não o derrubam.
NO FIM DOS TEMPOS
Talvez haja mil leitores entre um milhão de pessoas,
mas haverá cem leitores de poesia entre mil leitores?
Haverá dez leitores de poesia entre mil leitores?
Quantos leitores de poesia haverá entre mil poetas?
Os poetas leem os poemas dos outros poetas?
Sic transit gloria mundi – assim os poetas são:
passageiros, estranhos e indiferentes passageiros.
______________
(dois poemas de Gregório Vaz)
Nenhum comentário:
Postar um comentário