sexta-feira, 5 de dezembro de 2025

O ouriço - conto

                                     

 

                            O Ouriço

 

                                        

 

                                                       https://cronicascariocas.com/o-ourico/ 

 

 

        Estou grudado no alto da porteira da mangueira das vacas. Lá embaixo o Duque late feito doido. Avança, negaceia, avança de novo – uma bruta valentia. É um ouriço acuado junto ao mourão da porteira. Ele rodopia, se eriça todo – coisinha indefesa, só tentando fugir do ataque. Mas de cada ataque o Duque é que foge, ganindo – um choro longo e fino de doer na gente.

        Estou tremendo inteirinho aqui escanchado na tábua de cima da porteira.

        O Duque não pode morder o ouriço; mas não desiste. Que dó que isso dá! Bicho besta, por que não vai embora? Aí, teimando e se machucando. Também, que mal que fez o coitado do ouriço, esse bichinho inocente. O quê? Inocente? Um monstro que caiu em cima do Duque, todo escalavrado.

        Um tiro de repente. E a voz do meu pai:

        – Menino, desce daí!

        E eu desço, fazer o quê?

        – Por aí não, pelo outro lado.

        – Por quê?

        – Desce logo.

        Eu sei que não tem espinhos no chão. Ele deve estar cismado; eu obedeço.

        – Vai lá dentro buscar um alicate. Corre.

        – Alicate?

        – Tem que ficar perguntando as coisas? Vai, vai duma vez.

        Eu obedeço. O Duque está lá encolhido num canto da cerca. Geme, geme baixinho.

        Meu pai sabe fazer as coisas direito, por que então não trata do Duque, fica pedindo alicate?

        – O que você quer?

        – O alicate, mãe.

        – Por que você quer alicate?

        – O pai que quer, mãe.

        – Põe no lugar depois, hein?

        – Sei.

        – E não revira esse baú.

        Pego o alicate, levo correndo. Na porta da cozinha escorrego, me esparramo no chão.

    – Cuidado! Sempre estabanado. Não precisa correr tanto.

        Levanto, saio mancando. Tinha que ir apressado. É que me lembrei do Duque.

        Meu pai está agachado. Está fazendo um carinho, consolando, passando a mão na barriga do Duque; com a outra mão segura firme no pescoço, agarrando a pele.

        Não fala nada.. Pega o alicate, segura mais forte, põe o joelho prendendo bem o Duque. Pacientemente, devagar, com mão sábia, depois num arrancão tira espinho por espinho.

        O Duque deixa, nem se mexe. Só chora, um chorinho desconsolado, lá do fundo. O focinho pingando sangue.

        Depois, some um tempo. Não muito; na hora da janta esta lá num canto da cozinha.

        Minha mãe põe a sopa de mandioca na mesa. Oba. Comemos com uma senhora satisfação. Mas logo meu pai se irrita, está olhando o Duque:

        – Bicho imprestável!

        – Ele não tem culpa, pai.

        – Por que é que não tem?

        Lá no seu cantinho, aqueles olhos de dor. A gente percebe, uma aflição bem de dentro.

        – E o ouriço, pai?

        – Que é que tem?

        – Que é que o senhor fez com ele?

        – Ara! Nada.

        Terminamos de comer sem vontade, a sopona fumegando numa gostosura.

        Não paro de olhar para o Duque:

        – Como que o ouriço faz isso?

        – Ara! Faz.

        – O espinho vai que nem flecha?

        – É.

        – E fura a carne?

        – Vai furando. Se não tira vai indo para dentro.

        – E agora?

        – Agora vamos fazer o quilo. Logo é hora de dormir.

        – E o Duque, pai?

        – Ele sara.

        – Ele não comeu nada.

        – Quando a fome apertar, ele come. Sossegue, isso passa.

        Meu pai acaba de enrolar um cigarro, vamos para a varanda. Ainda olho o Duque; ele abre os olhos, se bate de leve – uma tremura.


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