MEU ENCONTRO COM NÉLIDA PIÑON
Em 1991, com o meu livro “Presença da morte”, ganhei o Prêmio Bienal
Nestlé de Literatura, ao lado de outros escritores, que se tornaram amigos
queridos. Ficamos uma semana hospedados no Hilton Hotel, em São Paulo, ao lado
dos principais escritores do país. Iríamos participar do Congresso de Literatura
Brasileira, no Centro de Convenções Rebouças. Na hora do jantar, no primeiro
dia, a Sônia e eu entramos no restaurante, escolhemos uma mesa num canto
discreto e aguardamos. Logo em seguida aparece a Nélida Piñon, toda prestativa,
acolhedora, carregada de gentilezas. Como que estávamos assim isolados?, disse
e foi nos conduzindo a uma mesa cheia de escritores. Dizia à Sônia que a
conhecia, de onde? Toda sorrisos. Em dois tapas, estávamos enturmados, já
fazíamos parte dos escritores, como velhos amigos. Não posso esquecer tanta
gentileza da Nélida.
Tive vários encontros memoráveis nessa ocasião. Na saída de um café da
manhã, fui apresentado a Millôr Fernandes, que me disse: “Poeta não tem que
ganhar prêmios, poeta tem que sofrer.” Não só porque a poesia nasce da dor,
como se diz comumente, desde Homero: “Os deuses inventaram o sofrimento para
que os homens pudessem cantar”. Admiramos Rachel de Queiroz – a sua disposição:
era a mais velha, mas depois de um dia de palestras e depoimentos, saía à noite
para ver uma peça de teatro ou um outro programa. Estive bem ligado a João
Antônio e Luiz Vilela, dois contistas admiráveis, vi um escritor mais forte carregar
João Antônio no colo, mostrando a familiaridade que ele tinha entre os escritores.
Vi o admiradíssimo José J. Veiga, autor de contos de um realismo mágico, no
centro de uma roda de amigos contando piadas comuns – é uma mágica ver o
escritor assim despido de sua aura de ser superior.
Estive bem próximo de Lygia Fagundes Teles, Ledo Ivo, Ignácio de Loyola
Brandão e tantos outros. Nélida estava sempre acompanhando Lygia Fagundes
Teles, com um cuidado quase maternal, como se Lygia fosse muito frágil, muito
desprotegida. E como se a função dela, Nélida, fosse ser o anjo acolhedor de
todos nós, com seu cuidado quase materno. Na saída deixou uma lembrancinha para
o meu filho Aran, que ainda tinha seus doze anos de idade e já escrevia, tinha
praticamente pronto o livro “Brinquedo”, composto de textos escritos dos seis
aos treze anos. Nélida deixou-lhe o seu último livro de contos, “Casa de
armas”, com uma dedicatória incentivando-o na carreira das letras, prevendo
mesmo um futuro encontro: “Aran, querido, será uma alegria conhecer você no
futuro. O abraço muito carinhoso da Nélida Piñon. São Paulo, 3-7-1991.” Nélida
não foi apenas a grande escritora, primeira mulher a presidir a Academia
Brasileira de Letras. Sobressai o seu sorriso acolhedor. Vamos
guardar para sempre a lembrança da sua delicadeza.
José Carlos Brandão
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