terça-feira, 3 de janeiro de 2023

Meu encontro com Nélida Piñon



MEU ENCONTRO COM NÉLIDA PIÑON

 

Em 1991, com o meu livro “Presença da morte”, ganhei o Prêmio Bienal Nestlé de Literatura, ao lado de outros escritores, que se tornaram amigos queridos. Ficamos uma semana hospedados no Hilton Hotel, em São Paulo, ao lado dos principais escritores do país. Iríamos participar do Congresso de Literatura Brasileira, no Centro de Convenções Rebouças. Na hora do jantar, no primeiro dia, a Sônia e eu entramos no restaurante, escolhemos uma mesa num canto discreto e aguardamos. Logo em seguida aparece a Nélida Piñon, toda prestativa, acolhedora, carregada de gentilezas. Como que estávamos assim isolados?, disse e foi nos conduzindo a uma mesa cheia de escritores. Dizia à Sônia que a conhecia, de onde? Toda sorrisos. Em dois tapas, estávamos enturmados, já fazíamos parte dos escritores, como velhos amigos. Não posso esquecer tanta gentileza da Nélida.

Tive vários encontros memoráveis nessa ocasião. Na saída de um café da manhã, fui apresentado a Millôr Fernandes, que me disse: “Poeta não tem que ganhar prêmios, poeta tem que sofrer.” Não só porque a poesia nasce da dor, como se diz comumente, desde Homero: “Os deuses inventaram o sofrimento para que os homens pudessem cantar”. Admiramos Rachel de Queiroz – a sua disposição: era a mais velha, mas depois de um dia de palestras e depoimentos, saía à noite para ver uma peça de teatro ou um outro programa. Estive bem ligado a João Antônio e Luiz Vilela, dois contistas admiráveis, vi um escritor mais forte carregar João Antônio no colo, mostrando a familiaridade que ele tinha entre os escritores. Vi o admiradíssimo José J. Veiga, autor de contos de um realismo mágico, no centro de uma roda de amigos contando piadas comuns – é uma mágica ver o escritor assim despido de sua aura de ser superior.

Estive bem próximo de Lygia Fagundes Teles, Ledo Ivo, Ignácio de Loyola Brandão e tantos outros. Nélida estava sempre acompanhando Lygia Fagundes Teles, com um cuidado quase maternal, como se Lygia fosse muito frágil, muito desprotegida. E como se a função dela, Nélida, fosse ser o anjo acolhedor de todos nós, com seu cuidado quase materno. Na saída deixou uma lembrancinha para o meu filho Aran, que ainda tinha seus doze anos de idade e já escrevia, tinha praticamente pronto o livro “Brinquedo”, composto de textos escritos dos seis aos treze anos. Nélida deixou-lhe o seu último livro de contos, “Casa de armas”, com uma dedicatória incentivando-o na carreira das letras, prevendo mesmo um futuro encontro: “Aran, querido, será uma alegria conhecer você no futuro. O abraço muito carinhoso da Nélida Piñon. São Paulo, 3-7-1991.” Nélida não foi apenas a grande escritora, primeira mulher a presidir a Academia Brasileira de Letras. Sobressai o seu sorriso acolhedor. Vamos guardar para sempre a lembrança da sua delicadeza.

 

José Carlos Brandão 


 

 

 

 

 


 

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