Comemorando os 700 anos do nascimento de Giovanni Boccaccio, sua obra
mais popular, Decameron, ganha duas traduções no Brasil. A primeira, publicada
pela Cosac Naify, com ilustrações de Alex Cerveny e tradução de Maurício Santana
Dias, contém dez dos cem contos da obra. A segunda, da L& PM, com tradução
de Ivone C. Benedetti, especialista em Boccaccio, é a versão integral deste
clássico escrito entre 1349 e 1351, quando a peste negra devastou a Europa –
são dez histórias por dia, contadas em dez dias por narradores diferentes, com
o intuito de divertir os espíritos conturbados por tanta doença e morte.
Boccacio foi o primeiro grande estudioso da “Comédia” de Dante, o primeiro a
reconhecer o seu valor teológico e a denominá-la “A Divina Comédia”. Menalton
Braft, na palestra inaugural do Encontro Regional de Academias de Letras,
organizado pela Academia Bauruense de Letras, em 2012, disse que a literatura, como
a entendemos, nasceu com o “Decameron” de Boccaccio.
Vou comentar o 2ª conto do 1º dia, a história de dois comerciantes de
Paris, Giannotto de Civigni e Abraão. Giannoto quer por todos os modos
converter o amigo para a religião cristã. Depois de muita insistência, Abraão
vai a Roma ver como vivem os cardeais e o Papa, dizendo que se converterá se o
exemplo de vida deles provar que a religião cristã é superior ao judaísmo. Mas
encontrou-os vivendo uma vida de corrupção e luxúria. Como era um homem sóbrio
e modesto, ficou escandalizado. Disse a Giannotto que o Papa e os cardeais
fazem de tudo para apagar do mundo a religião de Cristo, em lugar de serem os
seus sustentáculos e as suas bases. No entanto, compreendeu que a sobrevivência
da Igreja é prova de que o Espírito Santo é o seu fundamento. E se não estava
propenso a se tornar cristão apenas com os argumentos de Giannotto, agora não
deixaria por nada deste mundo de fazer isso.
Esse judeu parece ter existido, o conto provavelmente baseia-se em fatos
verídicos. A crítica à Igreja não é gratuita, e não tem intuito difamatório. O
grande poeta Petrarca foi contemporâneo de Boccaccio e faz as mesmas acusações.
São Francisco de Assis, do século anterior, recebeu do Senhor a ordem para
restaurar a sua Igreja, mais preocupada com os bens materiais do que com a vida
espiritual. Hoje um novo Francisco assume o dever de restaurar a Igreja de
Cristo, acusada mais uma vez de se desviar da rota. Os católicos conscientes de
sua religião nãos se preocupam. É como se raciocinassem como Abraão: se houve
tantos erros por tanto tempo e a Igreja continua de pé, é prova de que o
Espírito Santo está com ela.
José Carlos
Brandão – professor, poeta e cronista. Publicou sete livros de poesia. Tem um
livro de crônicas no prelo, “A hora do gavião”, que vai ser lançado pela
Secretaria de Cultura de Bauru.
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