Brasília é uma
festa foi um
concurso nacional de contos, crônicas e poemas com o título e tema buscando em
seu duplo sentido alcançar as nuances da verdadeira identidade desta cidade
planejada, bonita e rica, mas que também é invadida, deturpada e mal vista como
corrupta, devido a sua proximidade com os escândalos no poder político do país,
segundo os organizadores.
Tive a
honra de ser premiado em sexto lugar com o meu poema A FESTA MÓVEL – tradução
do título original de Hemingway “The moveable feast”.
Havia bons
prêmios em dinheiro do 1º até o 3º lugar, mas posso jactar-me de ganhar um
glorioso 6º lugar – fazer esse poema foi um desafio para mim. Já fiz poemas
sobre as minhas cidades – Dois Córregos, onde nasci, e Bauru, onde moro, – e
sempre é difícil. Agora, sobre Brasília, que eu mal conheço...
A
exigência desse tema restringiu a participação: houve apenas 426 inscritos – o
que não deixa de ser um belo número.
Fui uma
vez a Brasília – receber o Prêmio Brasília de Literatura, em 1991. Era uma
sessão solene, num lugar nobre – o Teatro Nacional Cláudio Santoro. Mas nem
quiseram ter o trabalho de abrir o teatro para a sessão – que foi realizada na
frente de suas portas fechadas, e olhem que havia escritores de bem mais
gabarito que eu, como um Antônio Callado, por exemplo.
E a cerimônia
compôs-se de discursos políticos. Não se falou de literatura, mas dos políticos
que fizeram isso ou aquilo. A literatura não merecia ser assim relegada a um
segundo plano.
Brasília
estava seca como o diabo. O diabo é seco? Não me ocorreu outra imagem. Me
ofereceram um excelente hotel para passar uma noite, mas no dia seguinte não
havia voo referente à passagem que me pagaram e tive que comprar uma outra, de
outra companhia, com o meu dinheiro – aliás, com o dinheiro do prêmio,
felizmente havia uns caraminguás do prêmio.
Com toda
essa experiência de Brasília, que poema eu poderia escrever para louvá-la? Sim,
a chamada do título falava também em corrupção e escândalos – mas um poema
sobre corrupção e escândalos? Pesquisei alguma coisa da história de Brasília e
fiz o dever de casa. Considero o resultado fraco, mas me sinto recompensado:
fui apreciado por um júri de valor. O critério central deveria ser a
experiência brasilense – parece que até nisso eu me saí bem.
Ei-lo:
A FESTA MÓVEL
O planalto
estendia-se calado como no Gênesis, reto, infinito.
Eis
Brasília
no
mapa
pela
primeira vez.
O
Eixo Monumental e o Rodoviário no Eixão se cruzam
e
eis o Ponto Zero
da cidade
móvel.
Onde foi o planalto,
onde o cerrado,
nasce a cidade,
com arquitetura
desusual
– a mais que capital.
No espaço desse nada nasce mais que a
metrópole: a nação futura.
Nasce a rosa dos ventos brasileira
– o oeste
de todo o nosso território.
Brasília se tornou um Eldorado.
De uma ideia,
concreto
no concreto,
nasce o centro
nervoso do Brasil.
Brasília é uma
festa para os cinco sentidos.
Brasília não é um desenho simples
– é
coreografada:
as suas peças
fluidas
são
como um dançarino
no ar
congelado
em momento de absoluto
equilíbrio.
Brasília é a
festa móvel.
A sua arquitetura é a juventude encarnada
– a genialidade
vinda da singeleza
e da surpresa.
Brasília deu curvas à paisagem
descampada.
Brasília é o limite
entre o concreto
e o ideal.
Um comentário:
Transparece o desafio que você enfrentou para escrevê-lo. Muito bom!
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