Foto Éder Azevedo/Arquivo JC |
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Morador de buraco é encontrado morto e entra na história de cidade |
Uma figura solitária e que, em meio ao caos urbano, passava
despercebida por muita gente nas imediações do Parque Vitória Régia.
Assim era descrito o morador de rua Manoel Justino da Silva, 54 anos,
que após vir de Juazeiro do Norte (CE) para tentar a vida em Bauru,
acabou desistindo de tudo e se acomodando por mais de 30 anos em um
buraco na nascente do Ribeirão das Flores, no Parque Vitória Régia. Na
manhã de ontem, ele foi encontrado morto no local.
Manoel foi encontrado por uma agente de limpeza da Empresa Municipal de
Desenvolvimento Urbano e Rural de Bauru (Emdurb). A princípio, a
Polícia Civil suspeita de que a morte tenha ocorrido na noite desta
terça-feira por causas naturais.
Além das polícias Civil e Militar, a Polícia Científica também esteve
no local para fazer a perícia. “A morte aconteceu sem nenhum vestígio de
violência”, aponta o delegado plantonista Paulo Calil sobre o resultado
preliminar das investigações no local.
O corpo foi levado ao Instituo Médico Legal (IML) de Bauru, onde poderá
ficar por no máximo oito dias, e o laudo sobre a causa da morte deve
sair em até 15 dias.
Cenário
Ao lado do corpo, encontrado caído em meio às árvores que compõem a
nascente do ribeirão, havia uma grande lona plástica e, a poucos metros
dali, um travesseiro e algumas armações de ferro, indicando que o
morador poderia estar se preparando contra a forte chuva da última
noite.
Junto ao corpo também havia outra sacola, contendo tesouras e vários
calhamaços de papéis com números marcados com caneta. Segundo
testemunhas que afirmaram conhecer o morador, Manoel sofreria de
distúrbios psiquiátricos e alegava que as anotações marcavam o valor de
uma suposta dívida de empresas e construtoras da cidade com ele.
Ele foi encontrado por volta das 8h de ontem pela agente da Emdurb
Rosângela Rodrigues Fernandes, 31 anos, que realizava a limpeza do setor
que compreende a quadra 25 da Nações Unidas, onde a nascente do
Ribeirão das Flores está localizada.
“Ele sempre ficava sentado olhando a gente varrer. Achei estranho estar
deitado e não se mexer. Quando me aproximei, reparei que ele estava
todo molhado e gelado. Então, saí correndo para pedir ajuda e chamar a
polícia”, conta Rosângela, ainda muito abalada.
Ao mesmo tempo, o comerciante Renato César Ribeiro estranhava a
ausência da figura simples do morador de rua, que ainda não havia
passado na lanchonete na esquina do local dos fatos para pedir seu ‘café
da manhã’.
“Ele era bonzinho, vai fazer falta. Todos os dias de manhã ele passava
por aqui e eu dava um pão e um cigarro para ele. Depois de comer, ele
voltava para o buraco ou ia perambular pela Nações”, afirma o
comerciante.
Agressão
Morador das redondezas do Parque Vitória Régia, o músico Lucas Palucci,
28 anos, lembra da cena que flagrou há duas semanas, quando observou
Manoel Justino da Silva em uma discussão com um grupo de adolescentes.
“Eles tacaram pedra nele e ele revidou tacando pedras também. Não
entendo, ele era bonzinho e não mexia com ninguém, nem dinheiro ele
pedia na rua”, conta o rapaz.
A estudante Martha Helena de Rezende, que caminhava pelo parque e mora
nas redondezas, não conteve as lágrimas ao saber da morte de Manoel e
contou que, há alguns meses, tentava convencê-lo a sair das ruas.
“Teve vez de eu chegar para falar ‘oi’ para o Manoel e encontrá-lo com a
cabeça machucada, dizendo que tinha sido agredido”, lembra Martha,
frisando que o homem se negava a receber qualquer ajuda médica ou
assistencial da prefeitura.
Do buraco para a história
Manoel Justino da Silva, mais conhecido como o “homem do buraco”, foi
personagem de uma reportagem publicada em abril de 2010 pelo JC. Na
ocasião o morador contou, acuado, em baixas e poucas palavras, sobre sua
trajetória frustrada do Ceará até Bauru em busca de trabalho e explicou
que sonhava comprar o terreno do local onde dormia para construir sua
casa.
Em 2011 ele participou de uma pesquisa sobre a população de rua
realizada pela estudante do curso de Serviço Social da Instituição
Toledo de Ensino (ITE) Martha Helena de Rezende, 47 anos.
Durante a pesquisa, Martha conta ter desenvolvido uma amizade com
Manoel. Aos poucos ela conseguiu informações que levaram ao encontro da
certidão de nascimento de Manoel, registrada em um cartório na cidade de
Juazeiro do Norte. Martha conta que tentava convencê-lo a tirar uma
foto para poder dar entrada no pedido de retirada do registro civil.
“Meu objetivo era localizar a família ou encontrar alguma outra maneira de fazer com que ele saísse das ruas”, lembra a mulher.
Ainda de acordo com ela, durante as conversas no parque, Manoel falava
muito sobre os direitos dos trabalhadores e dava a entender que teria
participado de um movimento grevista por volta de 1970.
“Ele dizia que queria ser livre e que a rua, apesar de tudo,
proporcionava essa liberdade a ele”, finaliza Martha, lamentando a
morte.
O corpo de Manoel Justino da Silva permanecerá no IML de Bauru no prazo
máximo de oito dias para o reconhecimento de algum familiar. Caso isso
não ocorra, ele terá suas digitais e uma foto arquivadas no instituto e o
corpo será liberado pela polícia para sepultamento em jazigo público no
Cemitério Cristo Rei.
3 comentários:
Nós todos, homens e mulheres do buraco, ficamos a pensar nessa "morte natural". Fica a sensibilidade do poeta.
Abraços,
Certas passagens da (nossalheia vida) deixam o coração da gente do tamanim duma semente, semente em que cabem todos os buracos, o universo todo, sem que a casca estale.
É de emocinar mesmo...
http://wilsonnanini.blogspot.com.br/
Um post com muita emoção.
Detalhes que nunca saberemos... que foi embora com o Manoel.
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