quinta-feira, 13 de maio de 2010

O duplo



Ele

Comia o miolo dos macacos
Para espertar a inteligência.
Cochilava ao pé da fogueira
Embriagado de pirilampos e estrelas.

Vivia coberto de limo,
Era como um filho da terra brotando.
A água jorrava dos seus olhos
Como uma fonte de rosas e lua.

Eu era menino e ancião
Com um machado no pulmão perfumado.
Ele se chegava com terra na mão

Dizendo: Coma, meu filho.
Eu era ele de cócoras
Com a vida sangrando do beiço grande.

_________

O tema do duplo sempre me obcecou. Não seria o caso deste poema? Não foi a intenção, mas agora mesmo me ocorreu: não foi mesmo?

11 comentários:

Sonhadora (Rosa Maria) disse...

Meu amigo
Muito conseguido este poema, adorei.

Beijinhos
Sonhadora

Ana Lucia Franco disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Marcelo Novaes disse...

Brandão,



Este duplo é benigno. É um Enkidu [da epopéia de Gilgamesh] já domado.





Abração.

Lídia Borges disse...

O duplo... O outro eu, indomável, a morder a individualidade.

L.B.

Anônimo disse...

Quando leio seus poemas, acho que me fundo com a natureza, e nem pretendo me separar dela depois.

Beijos.

dade amorim disse...

Alguma coisa de outro sempre existe em nós, e se revela no beiço grande que sangra, no ancião, naquilo que nos toca fundo sem explicação.
E esse poema me lembrou meu filho, que aos quatro anos eu peguei cavando e provando a terra do jardim.

Graça disse...

Fosse o que fosse, eu adorei o soneto!

Um beijo e bom fim de semana.

Adriana Godoy disse...

Acho que pode sim, JC. Também sinto um certo fascínio pelo outro, ou o duplo. Apreciei bem o poema. bj

Gerana Damulakis disse...

Excelente.

Edson Bueno de Camargo disse...

Octávio Paz nos fala de um outro dentro da gente fazendo o poema.

Fico empertigado como esse menino que recita palavras o tempo todo em meu ouvido.

Se eu fosse outro, me chamaria José Carlos Brandão.

BAR DO BARDO disse...

"um machado no pulmão perfumado"

- excelente.