sexta-feira, 12 de agosto de 2022

Cidade das Estátuas


 

 

Cidade das Estátuas

 

 

É uma preciosidade “Cidade das Estátuas”, de Márcio Blanco Cava (Editora Mireveja, Bauru, 2022). Romance empolgante – lembra um Jorge Amado com a sua linguagem evocativa, poética, de preocupação social, retratando uma cidadezinha qualquer, com seus personagens vulgares, desde Ambrosiano Maria Maria, esse nome repetido à exaustão, até as prostitutas, compondo o ambiente simples e sufocante, prenunciando a chegada à política, à crítica ao golpe militar, que desde o início se vislumbra. 

 

Há um clima de mistério. Primeiro o nome do personagem central, Ambrosiano Maria Maria. Por que essa repetição “Maria Maria”? E “Ambrosiano” não lembra um certo “Aureliano” de García Márquez? Aquele Aureliano Buendía que principia o fabuloso romance “Cem anos de solidão” diante do pelotão de fuzilamento e quando o leitor menos percebe está envolto numa fabulação fantástica. É como se fosse de propósito: o nosso autor Márcio Blanco Cava faz essa ligação com o fantástico latino-americano lançando-nos, a nós leitores logo deslumbrados, no fantástico da mágica e mistério da nossa miséria tupiniquim. 

 

Falando em tupiniquim, para reforçar bem a tese a mãe do nosso personagem é uma índia. Ambrosiano lembra-se com uma ternura especial da mãe falando guarani. O autor teve a pachorra de pesquisar a língua dos índios, a nos lembrar de que o elemento mais precioso de uma cultura é a língua. São passagens vibrantemente poéticas. Mas o pobre sofre preconceito do próprio pai, português, que não se conforma de ter um filho negro. O próprio pai tem vergonha do filho.  Mais uma mácula do nosso país. 

 

O clima de mistério aumenta quando chegam à cidadezinha – especial,  com tantas estátuas. Todas as personalidades importantes da história nacional e internacional ou da própria cidadezinha são homenageadas com uma estátua. Até o personagem Ambrosiano Maria Maria é assim homenageado provando-nos que é uma personalidade de peso e não apenas de papel. Mas, eu dizia, o clima de mistério é reforçado quando chegam à cidadezinha três forasteiros. Quem seriam? Por que estariam ali? Dois jovens e uma jovem chegam não se sabe de onde nem por quê, e não vão embora de todo, principalmente a jovem, que se liga amorosamente a Ambrosiano. 

 

De vez em quando desaparecem – para onde teriam ido? Algum contrabando? Não, o leitor não pensa em contrabando. Talvez pense em uma guerra – uma guerra de guerrilha contra um inimigo invisível. Não é preciso dizer que inimigo é esse, nem que existe uma guerrilha, o mistério faz parte da história da nossa pátria. Estamos diante de um romance bem brasileiro, muito preocupado com os destinos de nossa pátria. O que fica subentendido reflete a história do nosso pobre país, feita do subentendido a disfarçar a nossa miséria.

 

 

 




 



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