UM GRANDE POETA
Tenho a honra
de lhes apresentar um grande poeta: Eduardo Carbone. Autor de três livros de
poemas, “O pássaro arcaico” (2014), “Noite nutriz” (2015) e “Sombra e música”
(2017). Poeta de Bauru, sim senhores. Muito pouco conhecido, porque é campeão
da discrição. Muitos talvez estranhem a sua poesia, mas isso é excelente. É uma
poesia, lembrando Barthes, em O prazer do texto, que faz entrar em
crise a nossa relação com a linguagem. A poesia é um estranhamento. Embora o
poeta seja um estranho cuja única pátria é a linguagem. A poesia deve provocar
esse estranhamento, ou não será poesia de fato. Talvez fique no plano da
expressão, da pura confissão. Os poemas de E. Carbone não são confessionais,
mas imagens no espelho juntando-se e perdendo-se para formar novas imagens, a
caminho da beleza como forma em si.
A dificuldade
para se ler os seus poemas talvez seja a ânsia de interpretação. Os poemas são
escritos para a fruição em silêncio de suas imagens em busca da imagem
essencial, que se oferecem ao leitor como uma revelação. O título “O pássaro
arcaico”, apesar de sua grande beleza, causa já de início uma estranheza.
Queremos saber o porquê. Trunfo para o autor. A epígrafe já traz a chave: é
tomado de um poema de Orides Fontela, uma poeta também grande e estranha. E.
Carbone se apresenta no primeiro poema: “Estranho e sem rei.” O segundo toma a
palavra como fulcro. E não apenas a palavra, o poeta deve servir “a palavra
não”, conclui. No poema “Istanbul” a manifestação do universo se dará,
não pela grandiosidade da Hagia Sophia,
mas pela equiparação de homens e gatos. Poesia é epifania, manifestação do ser.
Os gatos serão a sua epifania.
“Noite
nutriz” terá o seu estranhamento já no título, mas nem deveria: o que poderia
mais nutrir a ânsia de mistério do homem do que a noite? O sintagma é tirado de
Eurípedes, evidenciando por um lado a riqueza eclética das leituras de E.
Carbone, e por outro a sua busca de uma revelação essencial. Esse livro traz
uma obra-prima de sua poesia, ou de toda poesia. O poema magistral “Elementos”.
Um poema que, se tivesse lido na internet ou em alguma antologia, sem indicação
de autor, eu pensaria que era da imensa poeta portuguesa Sophia de Mello
Breyner Andresen. Talvez pelas imagens concretas por um lado, e por outro
beirando o surrealismo. Talvez pela técnica das anáforas reiteradas, que ela já
usou de forma assim bela e sugestiva. Talvez pela pureza clássica, pelo
aticismo. E. Carbone surpreende de poema a poema. O que mais se poderia pedir a
um poeta?
O
título “Sombra e música” é sugerido por Murilo Mendes. Não poderia ser mais
sugestivo. Sempre lembro que M. Mendes é o poeta das imagens absurdas, em
choque com a realidade, mas sempre concretas. E. Carbone também. Poesia tem que
ser feita com imagens concretas, com substantivos, com coisas. Mesmo que sejam
coisas aparentemente tão abstratas como “sombra” e “música”. Sempre a mesma
procura da fonte onde jorre a água essencial. Como diz no poema “Butô 8”: ver,
apalpar o “Nítido/ Ou nimbo limite.” Sempre há um limite, mas que se possa
vê-lo, tocá-lo. É como se o poeta devesse almejar o impossível: “Até ver a
música plástica/ Que sobrevoa o rio e o mar.” Afinal, a essência nas palavras e
só nas palavras: “As palavras, todas/ Epígrafe: anunciam-me e/ Cantam-me o
drama:/ Epigrama.” O poema com o espírito, a engenhosidade do epigrama. “A
linguagem é a morada do ser”, diz Heidegger. Está definida a poesia de Eduardo
Carbone.
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