A CADELA DO RIO
GORDO
(poema(s)
em prosa)
O rio estava tão cheio que as mulheres pariam e a barranca era uma
vaca sangrando. Um quero-quero berrou a
festa do barro, as porcas se arrebentavam contra o céu e o sol era tão azul que
gania. O meu pântano borbulhava, eu coaxava como um sapo gordo. Uma garça se
inclinava para dentro de mim, me bebia.
A rosa da vaca sangrava. Eu quero todas as graças da
vida: não me venham com meias palavras, eu sou um palavrão esventrado. A árvore
espuma no rio, com mil crianças montadas nas suas éguas. A felicidade na
barriga do sol, a festa das crianças e das porcas na água. As mulheres cantavam
os lençóis da morte e da vida flutuando na água.
*
Emas correndo, emas voando com o sol nas costas, com
o sol nas patas. O boi velho adora as moscas no atoleiro. As baratas são tições
no capinzal. Os besouros têm sapatos pesados e sufocam. O boi engole fogo pelas
ventas. O veado e a jaguatirica no ar; a anta em prece se ajoelha.
O mato se queima, os bichos naufragam no rio gordo.
O rio gordo solta a cadela para cruzar com os bichos. No meu tronco chamuscado
as últimas fagulhas; uma brasa queima nos meus olhos e na minha língua. O rio
gordo, a cadela do rio gordo, os bichos, a fome gorda dos bichos no crepúsculo
do rio gordo.
Os peixes do rio gordo são estrelas caídas, de
cabecinha de fora olhando o céu. A boca aberta canta, corta o azul. Que anzol
me pescaria, ó palavra? Quem tocaria a carroça da alvorada? Quem quebraria a
garrafa? Eu quero os cacos e o sangue que explode de dentro.
Trago um mugido dentro do peito, trago uma cadela
dentro do peito, uma cadela no cio e o rio gordo, a terra gorda.
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