sexta-feira, 30 de agosto de 2019

A sombra de Tchernóbil



A sombra de Tchernóbil


Em 8 de agosto de 2019 uma explosão numa base marítima militar matou cinco cientistas e o nível de radiação na região aumentou até dezesseis vezes. A Rússia diz que o acidente foi falha em teste de foguete, mas especialistas acreditam que o país fazia teste de míssil nuclear. Uma cidade russa próxima ao local de explosão seria esvaziada, mas a ordem foi cancelada. Imediatamente se pensou em outro acidente e no livro “Vozes de Tchernóbil” de Svetlana Alexievich, que denunciou essa catástrofe sem tamanho.
Era o tempo ainda da extinta U.R.S.S., quando a verdade era controlada. É triste quando o Estado controla a verdade. Em 26 de abril de 1986, ocorreu o acidente nuclear de Tchernóbil. Um reator teve problemas técnicos e liberou uma nuvem radioativa contaminando pessoas, animais e o meio ambiente. As autoridades acobertaram o caso, minimizaram o desastre enquanto pessoas morriam com dores atrozes, se decompunham, sem nem saber o que tinha acontecido. Svetlana Alexiévitch, uma bielorrussa, ganhadora do Prêmio Nobel de Literatura em 2015, levou dez anos para escrever "Vozes de Tchernóbil", depoimentos de cientistas, soldados, operários e viúvas das vítimas do episódio. O número de mortos continua um mistério até hoje.  É impressionante ouvir – é como se estivéssemos ouvindo – as testemunhas desse triste caso, os horrivelmente sobreviventes, que narram sensatamente, como se fosse possível, esse caso maior da insensatez humana.
Diz uma voz solitária: “Não sei do que falar… Da morte ou do amor? Ou é a mesma coisa? Do quê?” “Às vezes parece que escuto a voz dele… Que está vivo… Nem as fotografias me tocam tanto quanto a voz dele. Mas ele nunca me chama.” Não é nem possível imaginar uma mulher encontrando o marido e ser advertida: "Você não deve se esquecer de que isso que está na sua frente não é mais o seu marido, a pessoa que você ama, mas um elemento radiativo com alto poder de contaminação. Não seja suicida. Recobre a sensatez." O Estado escondia a verdade, que era a desintegração de seres humanos. Daí a conclusão de Svetlana:
“O mecanismo do mal seguirá funcionando no Apocalipse. Isso eu entendi. As pessoas continuarão bisbilhotando e adulando os seus chefes para salvar a sua televisão e o seu casaco de pele. E no fim do mundo, o homem será o mesmo que é agora. Sempre. Todas as nossas ideias humanistas são relativas. Em situações extremas, o homem real não tem nada a ver com as descrições dos livros. Nunca vi homens como os que aparecem nos livros. Não encontrei nenhum. É bem ao contrário. O homem não é um herói, todos nós somos vendedores do Apocalipse. Os grandes e os pequenos.” Nunca será possível entender tamanha falta de consideração com o ser humano, tamanha falta de humanismo em nome do Estado. Como se vê, o perigo continua.

                                                                                   José Carlos Brandão







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