Pietà
Vejo-te ainda, Mãe, de olhar
parado,
Da pedra e da tristeza, no teu canto,
Comigo ao colo, morto e nu, gelado,
Embrulhado nas dobras do teu manto.
Sobre o golpe sem fundo do meu lado
Ia caindo o rio do teu pranto;
E o meu corpo pasmava, amortalhado,
De um rio amargo que adoçava tanto.
Depois, a noite de uma outra vida
Veio descendo lenta, apetecida
Pela terra-polar de que me fiz;
Mas o teu pranto, pela noite além,
Seiva do mundo, ia caindo, Mãe,
Na sepultura fria da raiz.
Da pedra e da tristeza, no teu canto,
Comigo ao colo, morto e nu, gelado,
Embrulhado nas dobras do teu manto.
Sobre o golpe sem fundo do meu lado
Ia caindo o rio do teu pranto;
E o meu corpo pasmava, amortalhado,
De um rio amargo que adoçava tanto.
Depois, a noite de uma outra vida
Veio descendo lenta, apetecida
Pela terra-polar de que me fiz;
Mas o teu pranto, pela noite além,
Seiva do mundo, ia caindo, Mãe,
Na sepultura fria da raiz.
Miguel Torga
Em suas
tristes memórias A Criação do Mundo, Miguel Torga narra como compôs esse poema:
na prisão de Salazar, incomunicável, angustiado com a pátria e com os seu
destino de escritor, médico e homem. Retrata a sua angústia nesse soneto, forma
que não lhe era usual, mas que lhe deu a necessária contenção que a sua dor
pedia.
2 comentários:
Miguel Torga, um poeta cheio de sensibilidade, como revela este poema fantástico. Sou fã. Também li a criação do Mundo e tudo o mais que ele escreveu.
Abraço.
Uma escolha perfeita para este tempo de Quaresma na liturgia cristã e neste país de Torga cada vez mais sem saída... Adoro Miguel Torga.
Estive ausente do meu blogue e voltei...por amor.
Beijo e boa semana.
Graça
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