terça-feira, 16 de junho de 2009
Exercícios de admiração
ARTE DE MORRER
Os corpos se entendem
mas as almas não
no frio do caixão.
E AGORA, JOSÉ?
A rosa agoniza
na palma da mão.
Mas você não morre, José.
JUAN RAMÓN JIMENEZ
Atira a pedra na água
e esquece. Você nunca mais
será o mesmo.
GOETHE
Qual a forma do meu poema?
Ainda estou elaborando
o nome da rosa.
ROBERT BROWNING
A pedra cai na água,
o pássaro imóvel no galho.
A rosa, ao sol, se renova.
WALLACE STEVENS
Os melros na relva,
os melros dentro de mim.
Onde estão? Quem fui?
CECÍLIA MEIRELES
Em que espelho ficaram perdidas
as pétalas da rosa?
FRANCIS PONGE
As coisas são as coisas:
não têm alma, não vivem,
mas me fazem mais vivo.
Rosalía de Castro
Vozes verdes, verdes ventos.
Elaboro o meu poema
como um cavalo ruminando.
ANTONIO MACHADO
Caminho na tarde verde
à beira da água clara
onde as nuvens se miram.
JOÃO CABRAL
A cabra magra
resiste comendo pedra.
MANOEL DE BARROS
O rio engole a palavra
e espera a rosa
se mirar em suas águas.
BECKETT
Na luz negra do exílio,
falo com uma pedra
na língua.
WILLIAM BLAKE
Não sou do céu, não sou da terra,
mas comungo, com meu corpo, a flor da alma.
E. A. POE
No silêncio do mar,
o corvo apaga o farol
e sangra a aurora.
DEUS
Abismo.
________________________
Fausto Cunha publicou, in “A luta literária”, uma seção de ensaios com o título “Exercícios de admiração” (em 1964 – mas eu o li em 1970 ou 71). Lembro-me de que um dos homenageados era Mário Quintana, a quem poetas e críticos “intelectualizados” torciam o nariz (existem vacas de nariz sutil – lembrando o romance de Campos de Carvalho).
Em 1986, E. M. Cioran publica “Exercices de admiration”. Até o filósofo do azedume – de uma linguagem delicada, de poeta, que enleva, mas sem nunca deixar de ser azeda – se rendeu ao prazer e dever de tecer belas homenagens aos santos pagãos do seu Panteão.
A mim me ocorreu juntar nesta página alguns de meus exercícios de admiração, mínimos, mas frequentes.
No último poema, “Deus”, não fica evidente a quem é dedicado. Oswald de Andrade e Adriana Godoy. Li esses dias que Oswald é autor do menor poema do mundo: “AMOR // Humor.” Não quis ficar atrás e examinei minha memória, meio fraca, mas nem tanto. Lembrei-me de um poemeto que fiz há uns dois anos “O SILÊNCIO // da rosa. / Abismo.” Curto, mas nem tanto. Então, lendo a última palavra, me lembrei de Adriana, que leu meio incredulamente, mas muito humanamente, meu poema “O abismo de Deus”, e num estalo, numa iluminação, estava pronto o poema: a palavra “abismo” não é uma palavra, mas uma imagem, mais, uma multiplicação de imagens, uma alegoria do universo, que cabe nela, embora, e por isso mesmo, não a explique.
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15 comentários:
Já estava com saudade de vc!
Engraçado seu post de hoje me deu um aperto no coração.
Bjs.
Valeu toda a pena do mundo ter esperado........
A poesia que dói é a mais alta.
obrigada, José Carlos
beijo
Oi J. C.
Gostei dessa do "Abismo", mas ainda gostei mais das "vacas com nariz subtil". São as vacas sagradas que, de vez em quando, temos que pegar pelos cornos.
Abraços
Victor Gil
Uma forma muito interessante de nos cativar pela leitura do que tão bem escreve. Um abraço
Grande Brandão,
boa pesquisa e costura de poemas sobre o tema. Refletir sobre o objeto em ação, transformação, a morte também é vida, a alma esperneia até compreender, ou não!
Que o canto poético encante, sempre.
abraços
Brandão, você foi muito feliz na escolha de toda a sua postagem, somente tem gente boa, que sabe deixar seu recado, adorei ler,
com admiração,
Efigênia Coutinho
Lições... A água, a pedra, a rosa, a terra, a vida. Abismo que buscamos... Simplesmente amei, J.C.
Abraços
olá josé sou do blog en cantos
http://encantosamigos.blogspot.com/
estamos hmenageando os nossos seguidores e chegou a sua vez venha nos visita e pegar o selo exclusivo dos homenageados ,um forte abraço!
Boa escolha. Grandes poetas, versos curtos e sem fazer distinção da qualidade ou preferência, ressalto o meu querido Manoel de Barros.
"Palavras
Gosto de brincar com elas.
Tenho preguiça de ser sério
Brandão, se algum dia for conhecer a Cidade de Pedras, prepare-se. É uma grande caminhada em trilhas agrestes, íngremes, sem água e muito calor, é uma verdadeira aventura mas dizem que vale a pena.
Já fui até Pirenópolis várias vezes mas na Cidade das Pedras ainda não. Fica distante 123 Km de Goiânia.
Beijoo
Uma homenagem bem merecida lá no blog: En-Cantos.
beijooo.
Oi José!
Antes de postar algo..lendo meus amigos!
Grandes escolhas!
Quanto a palavra "abismo" , sempre me remete a algo frio, solitário e totalmente imprevisível.
Estaria assim Deus? Tomara que frio, não.
“O SILÊNCIO // da rosa. / Abismo.”
Acho que faz mais sentido....rs
Beijo grande
Admirei-me nessa admiração de Beckett... porque adoro Beckett. E ler-te é sempre um prazer imenso.
Um beijo meu
Tinha escrito um comentário, mas acho que se apagou(?). José Carlos, você conseguiu captar a alma de todos esses poetas e traduzi-la em poemetos deliciosos. Fico envaidecida por se referir a mim-ainda mais junto a Oswald!!
Você também soube perceber a minha indagação e colocou isso em um único verso: Deus/abismo. Me sinto assim e sua sensibilidade me encanta. Obrigada, beijo.
...perlas de pensamientos dentro de las palabras,...te invito a mis horsas rotas espero te agraden....desde mi alma a la tuya siempre....jose ramon...---
Muito bom isto: “abismo” não é uma palavra, mas uma imagem, mais, uma multiplicação de imagens, uma alegoria do universo, que cabe nela, embora, e por isso mesmo, não a explique. Grande abraço, meu amigo.
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