domingo, 27 de junho de 2021

Sobre poesia - entrevista ao Aran

 

“Entrevistei o poeta em 1999 (à época do livro novo) pra algum jornal da faculdade ou algo assim: ele que lembrou & me enviou, felizmente! Memória é vida, etc.” Aran Carriel.

Autenticidade como só de pai para filho:

1.Quem não me conhece, aqui em Bauru, pensa em João Cabral de Melo Neto. Peguei a pecha de estar ligado a João Cabral. É uma grande honra, mas é meia-verdade, bem menos do que meia-verdade para definir a minha poesia. Tenho repetido que João Cabral ensinou consciência crítica à poesia brasileira, que é impossível escrever poesia hoje sem conhecer, e bem, João Cabral. Ninguém, como ele, ensina como construir um poema, como fazer um poema. Eu me afasto, e muito, de João Cabral porque não sou cerebral como ele; porque, além de não ter o domínio técnico que ele tem, do poema, sou todo emoção, sou completamente dominado pelo coração.

            2.Como vejo a poesia? É a arte da linguagem, o poeta é um arquiteto que projeta o seu poema, que se faz com a linguagem, e é o pedreiro que o constrói, que, tijolo a tijolo, levanta o edifício do poema. Mas, malgré moi, sou o que sou, meu defeito, ou minha característica, a argamassa com que ligo os tijolos é feita de sangue, os tijolos são feitos de sangue.

3.Há décadas se falava do fim da literatura ou do fim do livro. A informática, contra todas as expectativas, ou talvez não, talvez confirmando o vigor da palavra, criação do homem e que cria o homem, – a informática matou essa idéia da morte da arte feita com a linguagem e só faz dizer que vive esse objeto velho de séculos e sempre novo que é o livro, ajuda-o a viver mais e mais.

            4. Não. Não me atrai o hipertexto ou ciberpoesia. Reconheço a riqueza dos recursos da Internet para a criação poética, mas para mim é impossível imaginar um texto meramente espacial, em duas ou três dimensões, com a força de Campo de Flores, de Drummond.

5. Todo escritor escreve para o seu leitor ideal. Pode ser que esse leitor nunca o leia, mas só se pode escrever para ele. O meu leitor ideal, para quem escrevi os Poemas de Amor, é Mário de Andrade. É muita pretensão, ele nunca vai ler esses poemas, mesmo porque já morreu, mas eu não poderia escrevê-los se não pensasse nele, Mário de Andrade, como leitor. Se eu não me imaginasse Manuel Bandeira escrevendo para Mário de Andrade ler antes de qualquer um. Manuel Bandeira, aliás, é homenageado nos Poemas de Amor com duas ou três citações bem pouco disfarçadas.

6.Tive grande alegria de participar do livro Vinte Poetas Bauruenses. Fiquei mais de vinte anos longe de Bauru, desde 1970 – somente agora participo da vida cultural de Bauru, que vive uma efervescência poética, e é com grande entusiasmo que quero fazer parte disso.

            7. Não existe comércio de poesia. Até nos deveríamos alegrar: Poesia é uma arte nobre, não se rebaixa a ponto de ser comercializada. Mas esse aristocratismo é pernicioso. Seria muito melhor encontrar livros de poesia nas livrarias, que fosse divulgada, que fosse muito mais conhecida a poesia, que todos tivessem acesso a essa arte, quase a mais pura das artes – a música seria a mais pura, tem a pureza dos sons sem a muleta do significado que as palavras carregam, e que talvez lhes dê mais grandeza, e miséria, junto à impureza. Infelizmente poesia não vende; não somente a minha, mas a da maioria dos poetas. João Cabral comprou uma máquina impressora e aprendeu a imprimir para fazer livros seus e dos amigos. Não para vender, mas para dar ao universo uma arte que tornava o universo mais belo e com mais sentido para nele se viver. Eu havia dito, depois de publicar o meu segundo livro, Exílio, que não gastaria mais dinheiro para publicar meus livros; escreveria porque tinha que escrever, porque sou poeta (não se "está" poeta). Meu terceiro livro foi premiado pela Nestlé, que pagou a edição. Isso já faz oito anos; escrevi muito depois disso; publicar não era necessário. Mas não é que escrevi os Poemas de Amor? Não é que eu tinha algo de novo nas mãos, que não podia deixar ignorado? Coisa raríssima em um poeta é fazer bons poemas de amor. Aqui estão os meus, que além de ser de amor, são melhores do que tudo que eu já tinha feito.

            8. Os Poemas de Amor são poemas de amor, embora sejam antes de tudo poesia. Eu tinha um desafio: como escrever poemas de amor sem ser piegas ou intelectual? Qual seria a linguagem poética de hoje, para se fazer poemas de amor? Creio ter vencido o desafio. Brinquei com a linguagem coloquial, prosaica, com a sonoridade das palavras, com imagens concretas, sensuais. Creio ter feito uma exaltação do amor – o que é raro, só se vêem lamentos – e uma boa poesia.

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