sexta-feira, 22 de maio de 2020

Poemas da quarentena (1): O sobrevivente

                                                                                                                Goya




O SOBREVIVENTE


Deus se tornou uma palavra inútil.
O amor se tornou uma palavra inútil.
As minhas mãos tecem os trabalhos e os dias.
Já não sei chorar.
O meu coração é de gelo.

Não quero saber mais das mulheres ou das crianças.
Estou sozinho no escuro
onde a minha solidão é maior
e posso vazar os meus olhos em segredo.

A velhice pesa como chumbo.
Já não aguento o peso do mundo.
O homem é um animal com a morte nos olhos.
Os ratos já roeram o edifício,
o suicídio não é mais a questão capital da filosofia.

Vivo um tempo em que é inútil morrer.
Sobrevivo a mim mesmo como um bagaço no chão.
Este é o tempo dos cegos.
A vida é o caos.
A vida não tem mais nenhuma justificação.




                                                 Poemas da quarentena (1)