sábado, 14 de julho de 2018

A cadela do rio gordo (poema(s) em prosa)





     A CADELA DO RIO GORDO
              (poema(s) em prosa)



O rio estava tão cheio que as mulheres pariam e a barranca era uma vaca  sangrando. Um quero-quero berrou a festa do barro, as porcas se arrebentavam contra o céu e o sol era tão azul que gania. O meu pântano borbulhava, eu coaxava como um sapo gordo. Uma garça se inclinava para dentro de mim, me bebia.

A rosa da vaca sangrava. Eu quero todas as graças da vida: não me venham com meias palavras, eu sou um palavrão esventrado. A árvore espuma no rio, com mil crianças montadas nas suas éguas. A felicidade na barriga do sol, a festa das crianças e das porcas na água. As mulheres cantavam os lençóis da morte e da vida flutuando na água.

*

Emas correndo, emas voando com o sol nas costas, com o sol nas patas. O boi velho adora as moscas no atoleiro. As baratas são tições no capinzal. Os besouros têm sapatos pesados e sufocam. O boi engole fogo pelas ventas. O veado e a jaguatirica no ar; a anta em prece se ajoelha.

O mato se queima, os bichos naufragam no rio gordo. O rio gordo solta a cadela para cruzar com os bichos. No meu tronco chamuscado as últimas fagulhas; uma brasa queima nos meus olhos e na minha língua. O rio gordo, a cadela do rio gordo, os bichos, a fome gorda dos bichos no crepúsculo do rio gordo.

Os peixes do rio gordo são estrelas caídas, de cabecinha de fora olhando o céu. A boca aberta canta, corta o azul. Que anzol me pescaria, ó palavra? Quem tocaria a carroça da alvorada? Quem quebraria a garrafa? Eu quero os cacos e o sangue que explode de dentro.

Trago um mugido dentro do peito, trago uma cadela dentro do peito, uma cadela no cio e o rio gordo, a terra gorda.






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