quarta-feira, 31 de maio de 2017

LACAN E A GESTAPO



LACAN E A GESTAPO 


Todos os dias ela acordava assustada às cinco da manhã
mesmo horário em que a Gestapo batia às portas para levar os judeus
ao ouvir essa história Lacan levantou-se e tocou-lhe a bochecha
num gesto de carinho e consolo
um gesto na pele
geste à peau
que em francês conforme a entonação da voz
tem o mesmo som de Gestapo
um gesto que quarenta anos depois ela ainda está narrando

 




segunda-feira, 29 de maio de 2017

O fundo do abismo

                                    




O FUNDO DO ABISMO


Ele caiu, caiu sem parar
que sonho
gritou
mas viu
que nem tinha tempo
de gritar
então olhou
o fundo do abismo
(deu tempo)
o fundo do abismo
olhou de volta






sexta-feira, 12 de maio de 2017

ARGOS








ARGOS


O nome do cachorro era Argos.
Não era extraordinário como o cachorro de Ulisses, da Odisseia.
O seu dono era mais ordinário ainda, um poeta sem nenhuma importância.
Argos vigiava quando o poeta escrevia – que nada atrapalhasse a criação,
o focinho erguido, as orelhas empinadas, alerta contra o tempo e o mundo.


De manhãzinha e de tardezinha o poeta levava Argos para passear
ou, mais propriamente, Argos levava o poeta, como quem conduz um cego.
O poeta enxergava muito bem, mas estava sempre ocupado
com a contemplação do universo circundante e do seu universo interior.
Argos caminhava circunspecto, como se fosse um poeta ao lado de outro poeta.