domingo, 28 de agosto de 2016

XADREZ






XADREZ


As ruas da cidade são um labirinto.
Eu sou como uma peça de xadrez. Quem joga?
Não posso partir, espero a próxima jogada.
A cidade gira, o mundo gira, as galáxias giram.
Os meus livros estão parados na estante.

Faz barulho de chuva lá fora. Mas não chove.
O ar está esfumaçado, venta, cheira mal.
Homens e mulheres correm apressados,
como se perder o ônibus fosse perder a vida.
Já são mais de seis horas, os escritórios estão fechados.

Não é possível entender a humanidade.
Eu preciso partir, mas para onde? Por quê?
Espero a próxima jogada na partida de xadrez.
Eu sou uma peça – perplexa – no tabuleiro.
Talvez a próxima jogada finalmente seja a minha.






quinta-feira, 25 de agosto de 2016

O MENINO DA GUERRA






O MENINO DA GUERRA

O menino foi salvo dos escombros da casa.
Tem sangue no olho esquerdo, tem terra no direito,
tem sangue e terra na boca. Mas não chora.
Olha a cor do mundo sem compreender.
Tenta desenhar no chão com a mão esquerda, nem sabe o quê.
Abre a boca, mas não fala nada. Tornaram-se inúteis todas as palavras.

Um avião jogou uma bomba sobre a sua casa,
como se ele fosse o inimigo. Impossível compreender.
A sua casa é um monte de destroços.
Onde estão o seu pai, a sua mãe, os seus irmãos?
Ele nem tem força para perguntar. São questões muito transcendentes. 

Ergue a mão esquerda, olha-a, não sabe o que fazer com ela.
Viu um homem morto pela primeira vez na vida,
era um espetáculo muito feio. Ficou sem ação.
O que é o mundo, meu Deus? A sua casa destruída,
um homem morto ao lado. Não sabia o que dizer, o que pensar. 

O que mais vai acontecer? O que será a morte?
Ele vai morrer? Queria ser invisível, queria deixar de existir,
por um breve momento que fosse.
Sonha com um mundo feliz.
Mas será permitido sonhar com um mundo feliz?




domingo, 21 de agosto de 2016

O SÉCULO XXI

                                                                                                                                                                         Banksy



O SÉCULO XXI


Espera-se que este século seja melhor que os outros.
É jovem ainda, mal ensaia os primeiros passos,
tem a vida toda pela frente, tem tudo para ter homens melhores
e coisas melhores, menos mortíferas.

Verdade que carrega nas costas erros demais,
o resíduo das catástrofes de todos os séculos passados.
Nasce velho já, carcomido de furúnculos mortais
e o seu sangue está podre nas artérias.
O coração é velho, já não serve para mais nada.
Os pulmões estão secos.

Não tem mais forças ou não sei que condição
para buscar a felicidade ou outro alívio mínimo.
Os homens vivem o tempo da pressa, sem válvula de escape.
Olham-se nos olhos uns dos outros e não se reconhecem.
Aliás, nem se olham mais nos olhos.

O terror tomou conta das ruas das cidades.
Vive-se em estado de sítio, dorme-se com o inimigo,
a morte espreita a cada canto.
O mundo pode explodir,
o chão a seus pés, a sua casa, o seu carro
podem explodir a qualquer momento do dia ou da noite.

Este século herdou desgraças demais,
a guerra, a fome, as doenças acabam com o ser humano.
O homem é inapelavelmente uma raça em extinção.
O mundo era um projeto maravilhoso.
Ficou no papel ou na cabeça dos sonhadores,
talvez na mente de Deus, que deve estar arrependido da sua criação.

O homem provou que é imbecil, quer se destruir.
A razão é um instrumento fora de uso, a alegria enferrujou,
a esperança não é mais uma planta verde, murchou,
apodreceu no caule ainda mal formado.

O mundo não tem solução,
o homem não sabe mais como viver.
Não há respostas, já nem se sabe ao menos que perguntas fazer.
Sem esperança, espera-se que este século seja melhor do que os outros.
Agonizando, espera-se sobreviver.