sexta-feira, 29 de março de 2013

O ALEIJADINHO - VÍDEO






           O ALEIJADINHO


Deixei os pedaços da minha carne nas ladeiras de Ouro Preto.
Entre as pedras do calvário das ladeiras de Ouro Preto
Deixei os pedaços da minha carne e dos meus ossos.
Mutilado pelo divino, esculpo a forma do divino.

O meu coração é de pedra e rói como o ódio.
Eu trabalho o corpo de Deus, eu, o sem-corpo.
A pedra me obedece com uma fé cega.
Deixei um pedaço do meu nariz na pedra cega.

O cinzel amarrado no coto da minha mão
Faz saltar lágrimas e sangue da pedra muda.
A minha fronte, face e beiço estão grudados na pedra.

Talho a imagem de Deus à minha imagem.
A pedra sabe e fala sob o meu cinzel.
Do fundo do meu horror, olho para o céu – petrificado.



No meu livro O silêncio de Deus, 2009, p, 75.

Agora veja no vídeo de Domingos T. Costa: 



http://www.youtube.com/watch?v=Q8jUpKkFYvE&feature=em-video_response_received








segunda-feira, 25 de março de 2013

MORRER É FÁCIL





Morrer é fácil


Uma maldita garrafa de coca-cola explodiu,
me cortou o pulso
e a artéria radial
e jorrava sangue sem parar.

A minha mulher me levava para o Pronto-Socorro,
o carro a toda velocidade – e a vida cada vez mais lenta
dentro de mim.
Eu fechava os olhos e morria.

Eu aprendi que morrer é uma coisa
de nada – é só fechar os olhos
e não abrir.

Você não pensa em nada: só fecha os olhos
e apaga
como uma vela.






sábado, 23 de março de 2013

GLEBA





Gleba


Noite imóvel, enigmática:
muralha errática:
de olvido.

Por breve momento:
o tempo não era o tempo:
de tão antigo.

Templo de pedra noturna:
o universo em cinza ondula:
tépida gleba.

Azul? escrínio? alfange?
o mundo é ocre, terra
e sangue.

.............

Um lábio secular em noturna
vigília: inflexível resíduo?
rosa suspensa.

O suspiro lento giro
da ausência: nítida a
palavra: exata e inarticulada.

Pálido segredo: labirinto
de evidências: a flor lavra
cristal e azul.

(poema de O emparedado, 1975) 





Gleba é o primeiro poema do meu primeiro livro, O Emparedado. Foi escrito em 1971, quando eu lecionava francês em Duartina. Foi quando conheci Luiz Vitor Martinelo, que lecionava filosofia lá e eu não sabia que era poeta, e vice-versa, com grande razão - Gleba foi o primeiro poema "adulto" que escrevi, nas coxas (por falta de mesa, no quartinho da pensão onde me escondia). Penso que comecei bem. Eis aqui: um pouco de memória.



sábado, 16 de março de 2013

A ARANHA






A aranha


A aranha fia o fio da minha vida
com paciência e luxúria, com seu próprio
fio finíssimo e puro, atrás de mim,
não à frente, por onde vou. A origem

é o meu fim. Na minha própria teia
eu me enleio: de angústia e de beleza
é tecido o meu leito, leve, no ar
suspenso, no equilíbrio em que se libra,

caminho frágil para si voltado.
A luz do alto ilumina o precipício
e se me perco em sombras e delírios,
mais me encontro na senda do real.

O claro-escuro se articula, e lúcido
sigo, sem extravio. O mito lírico
me revela quem sou, que Deus me tem
na teia de sua luz, e, cego, vejo.





sábado, 9 de março de 2013

A PONTE DE PEDRA (6 haicais)





A ponte de pedra
os dois arcos sobre o rio
o céu sob as águas


Uma borboleta
pousa no arame farpado
a formiga à espreita


O rio deflui
sob a ponte de pedra
– aridez, ausência.


No fundo do poço
os peixes buscam o seu corpo,
ou a sua imagem.
 

           Duas lágrimas caíram
           dos olhos da estátua
           sobre a minha solidão.


            Tantas estrelas no céu
            mas uma alma só
            para entrar em êxtase.