terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

A MELANCOLIA DE JOÃO CABRAL






João Cabral dizia que tinha um buraco no peito
que era a melancolia
O médico dizia que era depressão e receitava
oras pílulas

que Cabral não tomava nem quando a Marly
lhe punha na boca
ele cuspia no canteiro, a flor que se curasse

João Cabral prezava a sua árida melancolia
sob a forma de um buraco no peito que ele enchia
com a poesia

João Cabral tratava a sua melancolia com palavras
duras como pedras
às vezes aguava, nunca demais, o sol é o melhor
elemento para as pedras e para a alma de pedra





quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

O PÁSSARO DE FOGO


                          

                                       Um pássaro de fogo me visita                                  
com ele
  viajo para além do mundo

Uma trama se tece
entre os planetas      
  no conchavo dos nossos olhos arde

enquanto alçamos para além
as asas náufragas
no espetáculo sonhado

O pássaro queima este poema
com o seu sucedâneo
em luz e sombra

armamos o contorno do dilema
  o solilóquio cego
  o drama prévio

Qualquer sentido as nossas línguas queimam






quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

DAS PAPOULAS AOS CAVALOS






DAS PAPOULAS AOS CAVALOS


Plantei a papoula na janela
a aurora
    me inunda o quarto

Um cavalo vermelho um cavalo azul
cavalgam das estrelas
para os meus olhos

O cavalo azul bebe no lago dos meus olhos
                       enquanto o vermelho
                       relincha e escoiceia

Não consigo montá-los estão sempre longe
                       noutra planície noutra estrela

Deito na relva que os cavalos pastam
                       empinados azuis e vermelhos

O sol vem me queimar o sol me penetra
                       raios horizontais saem de mim

Os cavalos se deitam ao meu lado extenuados
                       suam resfolegam com espumas
                       e relâmpagos azuis nos focinhos





quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

O CANTO E A LIÇA





                       O CANTO E A LIÇA



O canto e a liça. Infindo vai e vem.
O canto paira no ar. Gira. Regira.
Registra um tom abaixo e acima, bem
onde começa a liça. Gira e mira.

Há uma rosa nesse canto, além
do fogo que essa liça queima. Pira
que alimenta a memória. Para aquém
da consciência, entra música e ira.

O canto vence a liça. Embora a morte.
Olhares fixos, para a vida fixa
nesse canto como nessa liça.

E enquanto o ser decide a sua sorte,
sina entre canto e liça. Nesse entanto,
cante-se sobre essa liça esse canto.







       Poema publicado no Jornal da Cidade, de Bauru, dia 3-02-13, publicado pela primeira vez no meu livro O Emparedado, de 1975.