terça-feira, 31 de julho de 2012

O ARADO E A ESTRELA





                                    O ARADO E A ESTRELA


Não atrelo o arado e sigo a minha estrela,
como queria Emerson.
A estrela segue o meu arado.




sábado, 28 de julho de 2012

A FERRUGEM E O OURO






A FERRUGEM E O OURO


A ferrugem nas chaves, nas fechaduras
e no gonzo das portas.
Refulge em silêncio o ouro das palavras.




sexta-feira, 27 de julho de 2012

quinta-feira, 26 de julho de 2012

quarta-feira, 25 de julho de 2012

ÊXTASE

                                                                                                                Ouro Preto, 2007




Êxtase


Quando voltou, a mulher
estava transformada em pedra.

E sorria, não com os lábios
nem com os olhos, mas com a alma

que se elevava do seu corpo
de pedra.

Um sino de ouro tocava. 





terça-feira, 24 de julho de 2012

MAPA - MURILO MENDES




MAPA


Me colaram no tempo, me puseram
uma alma viva e um corpo desconjuntado. Estou
limitado ao norte pelos sentidos, ao sul pelo medo,
a leste pelo Apóstolo São Paulo, a oeste pela minha educação.
Me vejo numa nebulosa, rodando sou um fluído,
depois chego à consciência da terra, ando como os outros,
me pregaram numa cruz, numa única vida.
Colégio. Indignado, me chamam pelo número, detesto a hierarquia.
Me puseram o rótulo de homem, vou rindo, vou andando, aos solavancos.
Danço. Rio e choro, estou aqui, estou ali, desarticulado,
gosto de todos, não gosto de ninguém, batalho com os espíritos do ar,
alguém da terra me faz sinais, não sei mais o que é o bem
nem o mal.
Minha cabeça voou acima da baía, estou suspenso, angustiado, no éter,
tonto de vidas, de cheiros, de movimentos, de pensamento,
não acredito em nenhuma técnica.
Estou com os meus antepassados, me balanço em arenas espanholas,
é por isso que saio às vezes pra rua combatendo personagens imaginários,
depois estou com os meus tios doidos, às gargalhadas,
na fazenda do interior, olhando os girassóis do jardim
Estou no outro lado do mundo, daqui a cem anos, levantando populações...
Me desespero porque não posso estar presente a todos os atos da vida.
Onde esconder minha cara? O mundo samba na minha cabeça.
Triângulos, estrelas, noite, mulheres andando,
presságios brotando no ar, diversos pesos e movimentos me chamam a atenção
o mundo vai mudar a cara,
a morte revelará o sentido verdadeiro das coisas.

Andarei no ar.
Estarei em todos os nascimentos e em todas as agonias,
me aninharei nos recantos do corpo da noiva,
na cabeça dos artistas doentes, dos revolucionários.
Tudo transparecerá:
vulcões de ódio, explosões de amor, outras caras aparecerão na terra,
o vento que vem da eternidade suspenderá os passos
dançarei na luz dos relâmpagos, beijarei sete mulheres
vibrarei nos cangerês do mar, abraçarei as almas no ar
me insinuarei nos quatro cantos do mundo.


Almas desesperadas eu vos amo. Almas insatisfeitas, ardentes.
Detesto os que se tapeiam,
os que brincam de cabra-cega com a vida, os homens "práticos". ..
Viva São Francisco e vários suicidas e amantes suicidas,
os soldados que perderam a batalha, as mães bem mães,
as fêmeas bem fêmeas, os doidos bem doidos.
Vivam os transfigurados, ou porque eram perfeitos ou porque jejuavam muito.
viva eu, que inauguro no mundo o estado de bagunça transcendente.
Sou a presa do homem que fui há vinte anos passados,
dos amores raros que tive,
vida de planos ardentes, desertos vibrando sob os dedos do amor,
tudo é ritmo do cérebro do poeta. Não me inscrevo em nenhuma teoria,
estou no ar,
na alma dos criminosos, dos amantes desesperados,
no meu quarto modesto da praia de Botafogo,
no pensamento dos homens que movem o mundo,
nem triste nem alegre, chama com dois olhos andando,
sempre em transformação.

Murilo Mendes

_____________

Leio este poema como se eu o tivesse escrito. Penso, até, em emendar aqui ou ali. Em lugar de Colégio, escreveria Seminário. Girassóis? Por que não hortênsias? O quarto modesto de Botafogo seria o quarto da pensãozinha de Duartina, onde escrevi os três primeiros poemas do meu primeiro livro, O Emparedado. Viva são Francisco, mas onde estão os poetas suicidas?
Brincadeira à parte, este poema tem muito da minha biografia espiritual, intelectual, artística.  

domingo, 22 de julho de 2012

CAVALGADA


                                  

CAVALGADA

O poema é o meu cavalo.
Por que decifrá-lo?




quinta-feira, 19 de julho de 2012

CAIM




   
          Caim


Carrego o sangue do meu irmão para toda a eternidade.
Eu sou o meu irmão morto com uma pedra na cabeça.
Aprendo o que é morrer, o que é acabar.
A morte é o silêncio de uma pedra.

Os lábios de Abel não dirão mais nenhuma palavra.
É isto a morte: este silêncio, este sangue sobre a terra.
Que farei com Abel?
Que é que se faz com um morto?
Que farei comigo? Eu, que inventei a morte?

Nos olhos do meu irmão vejo o universo refletido.
No corpo morto eu conheço o meu tamanho de homem.
O sangue do meu irmão não clama por vingança:
É um espelho.
É a essência do que sou.
É a marca do homem, seu direito e avesso.
O sangue do meu irmão morto me alimenta.


                                    J. C. M. Brandão, in O silêncio de Deus, 2009.


 

segunda-feira, 16 de julho de 2012

A QUEDA DE ÍCARO





A QUEDA DE ÍCARO


A Queda de Ícaro, de Bruegel, foi tema
de W. H. Auden e Williams Carlos Williams.
Não me sobra
nada
a dizer.
A vida continua.
A Queda de Ícaro não tem importância nenhuma.
Mas eu fico pensando
no que o pastor vê no céu vazio
e nos peixes
que o pescador
pesca
e voltam ao mar.
Se Ícaro não caísse não haveria o mar, os navios,
os peixes, o pescador,
o pastor e o lavrador com o seu arado.
Acabamos olhando, com o pastor, para lugar nenhum.




sábado, 14 de julho de 2012

A FIGUEIRA DA MINHA INFÂNCIA

                                   A figueira do Matão da minha infância (antes do raio que a mutilou)



A FIGUEIRA

            Escrevi num poema que na escolinha de sítio da minha infância, entre o quadro-negro e as carteiras fazia falta uma árvore. Fazia falta uma árvore, sempre faz falta uma árvore na vida de um homem.
Mas era mentira. A cinquenta metros da escolinha (e a cinquenta metros da minha casa) a presença da figueira dominava. A figueira era maior do que o mundo. E estava entre o quadro-negro e os meus olhos e os meus dedos desajeitados. A sua sombra verde e dourada me acariciava sensualmente.
Os seus galhos se estendiam para o infinito, num convite à viagem, ao sonho. O seu tronco era enorme, impossível um homem sozinho abraçá-lo. E vários homens? As raízes não deixariam: erguendo-se a um metro, a um metro e meio acima da terra, impediam que a gente se aproximasse do tronco.
Galinhas se escondiam ali, naquelas raízes, e cachorros e bezerros e ouriços.  E a cascavel que me deixou os guizos de presente grudados na resina de uma casca ferida. Eu me escondia ali, naquelas raízes, entre folhas velhas, penas, minhocas e o húmus quente.
Uma égua vinha se coçar naquelas raízes, me bafejava a cara trêmula, eu encantado com aquele corpo animal tão próximo e com medo de um coice ou de uma mijada. Muitas vezes me deitei junto a montes de estrume verde e quente, cheio de vida.
        Num outro poema escrevi que meu pai plantou uma árvore, essa figueira, e como um personagem de Gabriel García Márquez ficou sessenta anos sentado numa pedra amarela vendo-a crescer.
Era verdade. Mas hoje meu pai está morto e a figueira continua lá, no Matão da minha infância. E a figueira continua a crescer dentro de mim, a crescer sem medida.
           O que eu sou como homem é do tamanho dessa figueira, as folhas verdes e as folhas de ouro, os galhos viajando para o infinito do sonho, e o tronco grande, grosso, nodoso, escorrendo a seiva forte da vida, e as raízes erguendo-se acima da terra, mais alto do que a minha altura de menino.
            Saí analfabeto da escolinha da minha infância, mas trouxe uma árvore, essa figueira, dentro de mim.
E por isso tenho o corpo como um tronco nodoso escorrendo seiva, e tenho um jeito animal na sensibilidade, e braços como galhos que perderam as folhas verdes e as folhas de ouro.
E pássaros se aninham na minha cabeça, como se fosse a copa que ainda sonha com a altura, o longe, a miragem.



terça-feira, 10 de julho de 2012

Poema-orelha (dos Poemas de Amor, 1999)




POEMA-ORELHA
           

O amor é o amor é o amor.
É a forma que, concreta,
se condensa no que, ser,
só é ser quando se funde
na rosa da sua vulva.
É o corpo que se entrega
a outro corpo, que, completo,
se lhe oferece, a ele, corpo.
O corpo ao corpo se doa
e de tal modo perfeito
que a essência da doação
é o próprio corpo primo
que noutro corpo se coa.
Eu disse: o amor é o amor,
o mais são palavras gastas.
Mais não se pode dizer
do amor, senão que é o corpo.
Maior beleza não há,
nenhuma maior delícia
que o corpo quando entra em êxtase,
que o corpo quando se encontra
com outro corpo, no coito.
Repito: o êxtase do corpo
define o amor, inefável.
Nada existe além do coito,
nada existe além do corpo.
Amar é êxtase: corpo
dentro do corpo, além-corpo.
Existir é tão doído
que só a brasa do amor,
só o amor, brasão, suporta.
Eu quero tocar os guizos
da alegria: eu sou feliz,
eu conheço o amor, o corpo
suando estrelas, a mó
moendo, doce, o universo.
Aprendo as lições do abismo,
lições que só o amor ensina.
O amor é o amor é o amor.


_____

Poema-orelha feito para o meu livro Poemas de Amor, 1999. Na época, achei que não condizia com o livro e não o publiquei.


domingo, 8 de julho de 2012

Por causa de Jandira - Murilo Mendes

                                                                                                    Murilo Mendes por Guignard




Por causa de Jandira
 
O mundo começava nos seios de Jandira.

Depois surgiram outras peças da criação:

Surgiram os cabelos para cobrir o corpo,
(Às vezes o braço esquerdo desaparecia no caos.)
E surgiram os olhos para vigiar o resto do corpo.
E surgiram sereias da garganta de Jandira:
O ar inteirinho ficou rodeado de sons
Mais palpáveis do que pássaros.
E as antenas das mãos de Jandira
Captavam objetos animados, inanimados.
Dominavam a rosa, o peixe, a máquina.
E os mortos acordavam nos caminhos visíveis do ar
Quando Jandira penteava a cabeleira...

Depois o mundo desvendou-se completamente,

Foi-se levantando, armado de anúncios luminosos.
E Jandira apareceu inteiriça,
Da cabeça aos pés,
Todas as partes do mecanismo tinham importância.
E a moça apareceu com o cortejo do seu pai,
De sua mãe, de seus irmãos.
Eles é que obedeciam aos sinais de Jandira
Crescendo na vida em graça, beleza, violência.
Os namorados passavam, cheiravam os seios de Jandira
E eram precipitados nas delícias do inferno.
Eles jogavam por causa de Jandira,
Deixavam noivas, esposas, mães, irmãs
Por causa de Jandira.
E Jandira não tinha pedido coisa alguma.
E vieram retratos no jornal
E apareceram cadáveres boiando por causa de Jandira.
Certos namorados viviam e morriam
Por causa de um detalhe de Jandira.
Um deles suicidou-se por causa da boca de Jandira
Outro, por causa de uma pinta na face esquerda de Jandira.

E seus cabelos cresciam furiosamente com a força

[ das máquinas;
Não caía nem um fio,
Nem ela os aparava.
E sua boca era um disco vermelho
Tal qual um sol mirim.
Em roda do cheiro de Jandira
A família andava tonta.
As visitas tropeçavam nas conversações
Por causa de Jandira.
E um padre na missa
Esqueceu de fazer o sinal-da-cruz por causa de Jandira.

E Jandira se casou

E seu corpo inaugurou uma vida nova.
Apareceram ritmos que estavam de reserva.
Combinações de movimento entre as ancas e os seios.
À sombra do seu corpo nasceram quatro meninas que repetem
As formas e os sestros de Jandira desde o princípio do tempo.

E o marido de Jandira

Morreu na epidemia de gripe espanhola.
E Jandira cobriu a sepultura com os cabelos dela.
Desde o terceiro dia o marido
Fez um grande esforço para ressuscitar:
Não se conforma, no quarto escuro onde está,
Que Jandira viva sozinha,
Que os seios, a cabeleira dela transtornem a cidade
E que ele fique ali à toa.

E as filhas de Jandira

Inda parecem mais velhas do que ela.
E Jandira não morre,
Espera que os clarins do juízo final
Venham chamar seu corpo,
Mas eles não vêm.
E mesmo que venham, o corpo de Jandira
Ressuscitará inda mais belo, mais ágil e transparente.



_________

Da minha série Celebrações.
Por causa de Jandira, por causa de Murilo Mendes, eu sou o poeta que sou.



 

sexta-feira, 6 de julho de 2012

O rio - Manuel Bandeira




























O Rio
               Manuel Bandeira

Ser como o rio que deflui
Silencioso dentro da noite.
Não temer as trevas da noite.
Se há estrelas no céu, refleti-las
E se os céus se pejam de nuvens,
Como o rio as nuvens são água,
Refleti-las também sem mágoa
Nas profundidades tranqüilas.