terça-feira, 29 de novembro de 2011

OS FUMOS DA CIDADE






























OS FUMOS DA CIDADE


      1
Trouxe para a cidade o perfume do mato
e o perfume das ostras e das gaivotas.
Viverão comigo até eu morrer.
 
2
Nas ruas da cidade,
sob o céu negro, estou em casa.

3
  As ruas fedem a urina, fezes, óleo e fuligem.
Sombras me cobrem. Eu me encolho no meu canto.
Não posso viver sem medo.
 
  4
  Não somos mais eternos.
Habitamos engradados de plástico, nosso mundo é virtual.
Enviamos sinais de nossa solidão ao universo inteiro.

5
Quebraremos as taças, esvaziaremos o vinho e a dor.
As casas – os prédios com seus fios invisíveis – cairão por terra.
Restará, nos cacos de vidro, na fuligem, somente a poesia.
 
6
Senhor, dai-nos paciência, dai-nos um pouco de orgulho.
Chafurdamos demais na lama. É o fim do mundo.
Senhor, dai-nos o êxtase de uma última chama.
 
7
A pátina do silêncio escorre das juntas da arte.




sábado, 26 de novembro de 2011

O POÇO DA CIDADE




O POÇO DA CIDADE

1
Mergulhou no poço da cidade,
mas não para se suicidar.
A lua e as estrelas o chamavam.

2
É natural que venha a velhice.
É natural que venha a morte.
Só não quero perder a minha loucura.

3
Precisei matar os dois homens.
Levei comigo a mulher.
Nova vida começava para nós.

4
Na casa velha havia um homem sem cabeça,
uma mulher com o ventre aberto
e três crianças em volta, mumificadas.
E pediram-me para não escrever sobre isso.

5
A sua pele negra era de uma beleza estonteante.
À noite descobri-lhe os cotos das asas de anjo.
Foi preciso matá-la.

6
Fui encarregado de exterminar os ovos.
Já imaginaram uma proliferação de anjos
nesta terra desolada?

7
Deus não é possível.
Os anjos não são possíveis.
Os homens estão entregues à própria sorte.

8
Não sei nada da minha vida ou da minha morte.
Carrego o silêncio de uma pedra na cabeça.

9
Querem que eu faça parte disto e daquilo.
Eu sou sozinho como os ossos de um crânio sobre uma pedra.
Eu sou uma sombra ao vento.

10
Fui um cavalo selvagem.
Fui uma rosa frágil, uma pedra, um rio.
Duvido que eu seja um homem.

11
Não reconheço a forma da minha cidade.
Estas pedras, estes ferros retorcidos, estes fios soltando fogo
e a fumaça saindo do ventre da terra à medida que as pessoas respiram.








quinta-feira, 24 de novembro de 2011

O SILÊNCIO DAS COISAS





























O SILÊNCIO DAS COISAS

O silêncio dorme à sombra das árvores.
Os animais são obscuros como os homens.
O sol gira tanto, as estrelas giram, uma serpente
gira em torno do meu corpo.

A morte é real, concreta. A montanha é pesada.
É preciso falar do amor como uma coisa.
É preciso falar do amor.
As flores perfumam a terra, as flores iluminam a terra.
As flores enlouquecem.

Que pode uma criatura, entre criaturas, senão morrer?
É preciso partir. É preciso chegar ao fim da viagem.
Para onde vamos?
É preciso despedir-me. Vou sozinho.
Sou o abandono. A terra me espera.
Vivo com a terra no sangue. Um dia serei apenas terra.

A caverna me lembra a necessidade de ser e morrer.
A inocência dos filhotes caídos do ninho.
Os bois mugem, as estrelas mugem.
As estrelas sussurram distantes.
Sou inocente. Balbucio fracamente.

terça-feira, 22 de novembro de 2011

A GÊNESE DAS COISAS





GÊNESE DAS COISAS

No princípio era o nome. Eram as coisas.
O sangue tinge as coisas de luz.
Deus não permita que eu morra sozinho, sem as coisas.
Sou uma criatura com veneno nas unhas,
sou uma criatura com veneno na língua.

Vivo com uma alegria feroz a inocência das coisas.
Que fazer com o mundo?
A máquina das coisas gira nos eixos.
O vento faz música no bambual.
O vento faz música nos ossos.
O vento articula o nome das coisas.

São belas as coisas como gênese da terra.
A terra é iluminada com as flores nos chifres das vacas.
A terra é amor.  Deus é doce.
A criação sorri, os dentes das criaturas estralam.
Criar e morrer. Sou feliz como um louco quando crio.

Manipulo as coisas, com sangue nos dedos.
Eu me reconheço nos troncos das árvores.
A minha loucura explode as árvores.
As minhas mãos sangram com o peso das coisas.





segunda-feira, 21 de novembro de 2011

CONHECIMENTO DAS COISAS































CONHECIMENTO DAS COISAS


Tenho o conhecimento da terra e do homem.
Os cavalos relincham.
Abro a porteira do dia. As vacas me esperam.
As últimas estrelas respingam no pasto.
O galo acende o sol. As coisas são violentas
em sua placidez.
As pedras respiram. Eu sou selvagem.

O que é a terra? O que são as coisas?
As palavras caem na palha do paiol.
Os coqueiros mugem, a estrada se ergue
com a poeira.
O ribeirão rebenta o açude.
Não quero a paz.

Sou feroz com a terra fora dos eixos.
O que podem dizer as palavras?
As coisas rilham os dentes.
As coisas são íntimas, fêmeas, sensuais.
As coisas não têm salvação.




quarta-feira, 16 de novembro de 2011

A CONDIÇÃO HUMANA





































1.      O CÉU É PESADO

O céu é pesado como chumbo.
Estou sozinho, muito longe, sem proteção.
A noite me devora.
                                        

2.      O INVENTOR

Quem inventou o relógio
não inventou o tempo.
Eu inventei.
                 

3.      CONDIÇÃO HUMANA

Estou vivo sobre a terra.
Um dia estarei morto.
Não há outra condição.
                 

4.      PACTO

O demônio viaja comigo.
Preciso lembrar-me de meus irmãos.
                            

5.      ASPIRAÇÃO

A lagarta olha a bela borboleta e diz:
– Nunca vou ser feia como esse bicho.


6.      O QUE EU ESTOU FAZENDO

O que eu estou fazendo aqui?
A terra gira, o sol gira, eu não saio do lugar.


7.      A VIDA NÃO TEM

A vida não tem nenhum mistério.
(Não deem comida aos pombos e aos poetas.)


8.      UM PEIXE CEGO

Um peixe cego me faz companhia.
Choramos juntos a solidão do universo.


                                                                       J. C. Brandão







terça-feira, 15 de novembro de 2011

A MAÇÃ NO ESCURO



























A MAÇÃ NO ESCURO


A maçã vermelha como sangue
sobre a mala: comerei desse fruto?

O real palpável como uma mala
e uma improvável maçã.

A poesia reside no real.