sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Pomar




POMAR

Vem uma abelha e pousa
numa banana madura,
estourando de madura.

Os volumosos seios da mulher
eram verdes e dourados
de tão maduros.

Uma maritaca vaia
escorrendo amora do bico
como sangue.

Com um sanhaço em cada ombro
e a língua limpa de palavras
aproveito a vida no pomar.


quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

O pássaro e a pedra



 
O PÁSSARO E A PEDRA


Um pássaro pousado numa pedra
um pássaro enorme
um pássaro muito maior do que a pedra
um pássaro só pássaro
muito mais do que a pedra só pedra
todo o ser do pássaro
sob sol a pino
sobre a pedra em fogo

De repente
o pássaro voou

A pedra em chamas sob o sol a pino
sem o pássaro
a ausência do pássaro
a ausência enorme do pássaro
a ausência muito maior do que a pedra
uma pedra só pedra
uma pedra sem o pássaro
a pedra sem o ser do pássaro
a pedra quase não é
a pedra sem

Nada maior que a solidão
da pedra sem o pássaro
o milagre do ser do pássaro


segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Luminosidade






                      A poesia, o poema


A poesia é o puro olhar sobre as coisas visíveis.
As coisas tornam-se palpáveis ao olhar da poesia,
libertas de forma, cor e corpo: são apenas luz.

O poema é a luz condensada nas palavras
como se fosse um campo de lírios iluminado.


       Geometria

O poema ordenado como um homem
estendido sobre a mesa, aberto, geométrico, exato.

Os pássaros caem, o homem reverbera.
Os cavalos cantam, o homem reverbera.

A rosa em chamas, o poema canta e voa, perfeito.



sábado, 19 de fevereiro de 2011

Tempo duro, tempo escuro



                                          
1. Tempo escuro

Para que a poesia
neste tempo da banalidade?
Para que a poesia
neste tempo da forma rara
em lugar do homem?

Cegos e surdos,
entanto cantamos.
Somente a tocha da poesia
ilumina este tempo escuro.


2. O cadáver da poesia

Vesti o cadáver da poesia
com as mais belas roupas que encontrei.
Vesti o cadáver da poesia
com as roupas de um operário.
Deixei nu o cadáver da poesia:
não deixou de ser o cadáver
deste tempo negro.

(Gregório Vaz)
__________ 


Gregório Vaz teve um surto criativo este ano. Parei de escrever como eu mesmo, até  o dia do meu aniversário, quando fiz quatro poemas luminosos. Não era dia para o pessimismo de Gregório Vaz. Depois tentei equilibrar a forma - G. Vaz é desleixado - mas tanto a forma como o fundo saíram escuros. Talvez seja mesmo este tempo escuro em que vivemos. Talvez eu não esteja nos meus melhores dias.

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quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Um brinde para os amigos


Carissimos amigos: - Vocês que me seguem já conhecem os poemas do meu livro Memória da terra (pelo menos a maioria dos poemas), que lancei em 2010. Se quiserem guardar uma cópia do livro, é com prazer que lhes ofereço. É só clicar aqui.


terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Nenhures





NENHURES

Como um tigre, a manhã se aproxima.
Arma o bote diante do abismo.
Que universo é este?
Que Deus me guia?

Mastigo estrelas quentes como brasas,
me queimam a língua, como uma palavra.
Saco a morte do bolso,
atiro contra o enigma.

Carrego a minha cruz às costas, com galhardia.
Beijo a cruz como aos lábios de uma mulher.
O demônio me bafeja o calcanhar,
me cega os olhos cansados do caos cotidiano.

A árvore da eternidade tem as raízes para o ar.
Pássaros voam com ramos verdes no bico,
e caem pesados, estupefatos.
As águas vão e voltam, inúteis.

Além do véu
e dentro do espelho,
conheço quem sou: ninguém.
Espectro de outrem me habita.


sábado, 12 de fevereiro de 2011

A CABEÇA DE BOI



                                
A CABEÇA DE BOI


            Uma cabeça de boi pendurada no mourão da porteira.
É velha, está quebrada, os chifres estão quebrados. Entram e saem abelhas por todos os lados.
As abelhas fizeram a sua cachopa dentro da cabeça de boi. Pinga mel pelos dentes, pelas narinas da cabeça de boi.
Os dentes são dourados de mel, o hálito é doce, meloso, perfuma até o ringido da porteira.

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A Sônia postou esses dias uma cabeça de boi no Flickr. Lembrei-me de que eu fotografei também a mesma cabeça. O texto é de uns dez anos antes. 

 

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Candelabro



O CANDELABRO

 

Acendo o candelabro

do universo

com a minha palavra.

 

Ouça o monjolo

como mói

o ouro

do tempo

 

e com o milho

das estrelas

compõe

 

as cores

fúlgidas

da aurora.

 



Selos

Ganhei estes selos do blog Versos de Luz.


Como sou preguiçoso, respondo apenas as questões da Luiza:

1. Poema favorito:


PEQUENO POEMA SOBRE O FIM DO MUNDO 


Quando chegar o fim do mundo,
A abelha estará sobrevoando a espora-de-galo,
O pescador estará consultando a rede brilhante,
Os delfins estarão saltando alegres no mar,
Os pardais estarão a reunir-se sobre o telhado,
A pele da cobra brilhará como sempre.

 
Quando chegar o fim do mundo,
As mulheres irão para debaixo dos guarda-sóis,
O bêbado adormecerá em algum lugar sobre a relva,
Os verdureiros farão suas vendas gritando,
O barco de vela amarela chegará à ilha,
As violas soarão no ar,
Abrindo a noite estrelada.


Quem esperar raios e trovões
Vai decepcionar-se;
Quem aguardar um sinal e trombetas de anjos,
Nem acreditará que o fim já chegou.

 
Enquanto o sol e a lua brilharem lá em cima,
Enquanto o insecto visitar a rosa,
Enquanto crianças coradas ainda se alegrarem,
Ninguém acreditará que o fim já chegou.

 
Até que o velhote grisalho, que poderia ser profeta,
Mas não é profeta, porque o seu trabalho é outro,
Dirá ao amarrar tomates:
Nem haverá um outro fim do mundo.

 
Czeslaw Milosz


Poeta e ensaísta polaco, nascido em Kédainiai, na Lituânia, em 1911.
Foi Prémio Nobel da Literatura em 1980.
Faleceu em Cracóvia em 2004.



2. Escritor favorito: Graciliano Ramos

       Vou acrescentar aqui a observação que ainda não vi ser feita sobre Graciliano, assim justificando porque  gosto de sua prosa: Vidas Secas é um grande poema (Não o escrevi acima porque é muito grande). É todo feito de imagens, e imagens sensoriais (Você sente sede, sente na pele a secura das Vidas Secas) como só o melhor poema consegue.

3. Filme que recomendo: VIDAS SECAS, de Nelson Pereira dos Santos. 

4. Porque escrevo: Fui aprender tocar órgão. Como não distiguia uma nota da outra, mandaram-me aprender datilografia. Parece brincadeira, mas é sério: escrever foi a única coisa que consegui aprender. 


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terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

O ESTRANHO



                                                                    
O ESTRANHO


O dia amanhece carregado de pássaros.
O canto dos pássaros vai romper o silêncio das dálias.
É meu o cavalo. É minha a montanha.
É minha a rosa perdida no barco do olvido.

Todos os caminhos levam ao deserto.
A faca na garganta ilumina a cicatriz do enigma.
Pairo sobre as vagas do mar eterno e vejo Deus.
Ergo o cálice dourado e bebo o vinho da rosa.

As palavras são duras como pedras.
Estou com as mãos feridas de tanto lavrar as palavras.
Envelheço. Um estranho me olha do espelho.
Devoro as pedras do estigma.

Anoitece na casa vazia. Há um lugar vago
no álbum de retratos. Em breve serei antepassado.
Ouço a voz de Deus. O verbo de Deus me chama.
O sopro de Deus outra vez molda a minha forma na argila.



sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

O perfume das uvas




O perfume das uvas sob o sol de outubro.
O rio cresce, as águas se avolumam, destroem
                                as barrancas e as locas dos peixes.
As águas correm dentro das árvores, correm dentro de nós.
As nossas raízes se vão com as águas vorazes.
E as uvas perfumam a tarde sob o sol do outono.

Os abismos do mar deságuam por nós a dentro.
No canto selvagem do mar a voz do afogado,
estrangeiro como nós, sem pátria como nós.

O sal do mar nas pétalas caídas no altar.
O grito do gavião nas fauces do mar.
As vagas morrem na areia, os rochedos cobertos
                           de espumas, lágrimas escorrendo.
O mar uiva, as uvas perfumam a montanha.

Vou deixando as minhas pegadas na areia da praia,
pesadas, com sombra.
Cai a sombra na minha alma.
Logo se apagam as pegadas.
Um sino tange o tempo antiqüíssimo e sempre novo.

As gaivotas trazem o mar nas asas.
As árvores em chamas despencam no mar.
Flores voam no ar do verão.
Espumas e sangue escorrem do rochedo dos mariscos.
Um navio joga grossas ondas contra a ilha.
Línguas de fogo elevam-se da terra.

Este é o tempo dos mortos.
As mulheres se abrem aflitas para o céu.
Desfia-se o tecido das coisas.
Não somos. Sombras que a sombra devora.
Ouvi a voz dos mortos, como sementes,
brotando à borda dos poços.
Os vinhedos já não estão ao sol, as uvas
ainda perfumam os pássaros, as águas, os peixes.
O sino tange no horizonte, com sangue.



quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

A ILUMINAÇÃO NO ESPELHO DA TARDE



                                 
                                 
A ILUMINAÇÃO NO ESPELHO DA TARDE


O rio carrega peixes mortos, homens mortos
e destroços, cavalos, vacas e cães mortos.
É a estação das brumas, das sombras,
da desgraça ancestral.

Choramos a nostalgia da rosa na pedra cinza.
Folhas de ouro caem da árvore do tempo, com fragor.
As faces esmaecidas de um paciente agonizante
deitado na mesa coberta de alvos lençóis.

A viagem não tem fim,
o porto à distância, cada vez mais longe.
A praia se retira, como o tempo, intocável.
Carrego a minha morte no bolso, no pulso, nos pés.

Ouço sempre o guizo da morte
pendurado no pescoço, junto à canga velha.
O rio chega ao mar, eu chego ao mar,

as águas do mar vão e vêm, eternas.
Viajo para um renovado horizonte,
de pássaros brancos, entre as brancas nuvens.