segunda-feira, 31 de outubro de 2011

DRUMMOND OTIMISTA




























O “Canto esponjoso” foi um dos primeiros poemas de Drummond que li. Eu estava começando a descobrir a poesia e senti que este poema era uma descoberta. Era a poesia em estado puro. Absoluto, para usar uma palavra do poema. Senti que um poema tem que ser absoluto. Não tem que se justificar, não tem sequer que ser entendido. O que quer dizer este “Canto esponjoso”? Nada. É apenas – e é muito – o deslumbramento diante da beleza. 

Logo depois desse li “Fazendeiro do ar e poesia até agora.” Eu era filho de fazendeiro falido, eu era um fazendeiro do ar. “E agora, José?” Eu sou um José, e agora? “Quando nasci um anjo torto, desses que vivem na sombra...” Até biograficamente eu me identificava com Drummond. Eu nunca fui a Itabira, mas tinha ou ainda tenho “este orgulho, esta cabeça baixa...” Eu também nunca fui à Bahia. Eu aprendia que só se pode fazer poesia com as coisas que se conhece. Com coisas – as ideias e emoções vêm por acréscimo.

Curiosamente, este é um dos poucos poemas felizes de Drummond. É mesmo otimista. Costumo lembrar Jorge Luís Borges que dizia que a felicidade se basta a si mesma. Drummond era poeta de confronto com o beco sem saída da existência. Era difícil, por desnecessário, mas cantou a felicidade. Fez este “Canto esponjoso” (Drummond tem excelentes títulos; este, me parece fraco – ou talvez seja uma autocrítica, a negar a complacência com a felicidade).



Canto esponjoso


Bela
esta manhã sem carência de mito,
e mel sorvido sem blasfêmia.

Bela
esta manhã ou outra possível,
esta vida ou outra invenção
sem, na sombra, fantasmas.

Umidade de areia adere ao pé.
Engulo o mar, que me engole.
Valvas, curvos pensamentos, matizes da luz
azul
       completa
sobre formas constituídas.

Bela
a passagem do corpo, sua fusão
no corpo geral do mundo.

Vontade de cantar. Mas tão absoluta
que me calo, repleto.



_____________________

Cobraram: E os créditos da foto? O caso é que essa foto circula na internet, sem créditos. Foi consagrada pelo anonimato. Desculpem. 




5 comentários:

Unknown disse...

Que linda homenagem, José Carlos!

Eu já conhecia o poema, e virei esponja de Drummond!

Foto, narrativa sua e poemas fizeram uma homenagem mais que brilhante!

Estou tão emocionada hoje como no tempo que ele vivia.

Beijos, poeta!

Mirze

Pedro Luso de Carvalho disse...

Meu caro Brandão,

Dia destes vi na TV Cultura um programa com o poeta Ferreira Gullar, que falava sobre a importância da poesia do Drummond; Gullar disse que na sua opinião Drummond é o poeta brasileiro mais significativo, e que se fosse de nacionalidade inglesa ou norte-americana a língua inglesa o transformaria no maior poeta moderno de todos os tempos e quadrantes.

E é justamente Drummond quem escreve versos com esta singlesa: OPACO - In "Claro Enigma", Rio de Janeiro, Record, 1991, p.43-44:

OPACO

Noite. Certo
muitos são os astros.
Mas o edifício
barra-me a vista.

Quis interpretá-lo.
Valeu? Hoje
barra-me (há luar) a vista.

Nada escrito no céu,
sei,
mas queria vê-lo.
O edifício barra-me
a vista.

Assim ao luar é mais humilde.
Por ele é que sei do luar.
Não, não me barra
a vista. A vista se barra
a si mesma.


(Drummond)

Um abraço ao poeta Brandão.

Pedro.

byTONHO disse...



Ótimo isto!

Abraço-tchê!

:o)

Wilson Torres Nanini disse...

José Carlos,

dificilmente ele aceitaria esta assertiva, mas Drummond não é só o maior poeta do brasil: é o maior artista!

Abraços!

Bípede Falante disse...

Um dos melhores!
Adorei o post :)