terça-feira, 30 de agosto de 2011

AMAR


























AMAR


Vamos aconchegar-nos bem juntos um ao outro,
ouvindo o órgão do outono, na margem da noite.

A fonte se prostra e canta palavras de amor.
Nossas frontes estão douradas com o crepúsculo:

nós nos amamos com todo o ouro do crepúsculo.
Nossa casa floresce como um ninho na montanha.

Você tem a ternura nos olhos, onde eu mergulho.
Fiquemos parados, ouvindo a brisa entre os ramos.

Amar não se conhece: entra no corpo, com o sangue.
Alma é uma lamparina antiga que ilumina e enche

de sombras a casa, onde, sob o arco do mistério,
estamos juntos e não existe palavra que importe.

Vamos aconchegar-nos um ao outro, ouvindo a brisa.
Nós nos amamos e não conhecermos é o nome do amor.

Fiquemos parados, ouvindo o órgão da noite que chama.

                                              José Carlos Brandão



sábado, 27 de agosto de 2011

SANGUE E MEMÓRIA



























SANGUE E MEMÓRIA


Sou um jorro de sonhos na paisagem
onde canta um pássaro louco. Ó grifo
sepulto e vivo em mim, por onde me levas?
Sou um lobo de fogo num poço de febre.

Um cavalo cego no lodo agoniza. Ó verbo
de Deus e do Demônio e meu. O caos
é nosso domicílio. E nós queríamos
o belo e o horror. A luz selvagem

dos espelhos. E a nossa água devassa
o pânico das conchas. Purifica o nojo
a nossa lava, mas não salva a flor.

Noite terrível, ó grandioso amor.
Acolhe-me em teu seio! Lua sangrenta
sobre o abismo... Eia, sus! Eu sou o abismo.

                                J. C. Brandão





quinta-feira, 25 de agosto de 2011

A CASA CAÍDA


                 

















CASA CAÍDA

Um sorriso é meia vida
por pior que seja a sorte
com a dor, a angústia, a morte,
enfim, a casa caída.

Um sorriso é meia vida
quando o amor se vai embora,
quando a madrugada chora
a triste casa caída.

Um sorriso é meia vida
por pior que seja o pranto
e se acaba até o canto
diante da casa caída.

Um sorriso é meia vida,
talvez seja a vida inteira
mesmo quando a gente queira
chorar a casa caída.


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A Graça Pereira, do blog Zambeziana, lá de Portugal, promoveu um concurso de poesia com o tema ou mote, eu o entendi como mote, "Um sorriso é meia vida". Havia um outro concurso com o tema / mote "casa caída". Juntei os dois motes, como se fosse matar dois coelhos numa só cajadada, e fiz o poemeto acima. Resultado, já expirara o prazo do 2º concurso; e o meu poema, com a limitação temática que lhe impus ficou bem pior do que poderia ficar. Mas os jurados da Graça foram complacentes e premiaram meu poema. Valeu a brincadeira, com prêmio e tudo. 

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A foto é do blog Zambeziana - vale a pena conhecer.



segunda-feira, 22 de agosto de 2011

O SILÊNCIO DE DEUS









O SILÊNCIO DE DEUS


Bebemos das pedras da montanha
o silêncio de Deus.
As pedras desoladas
manavam silêncio.

O pó se elevava das pedras, refulgia.
Reflexo de estrelas no ar.
O silêncio seco.
A sede grande.

Fagulhas de luz seca
olhos a dentro.
A morte seca.

A alma seca.
A morte seca de Deus
alma a dentro.


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O meu amigo Wellington Leite tinha um programa de rádio em que mostrava os poetas dizendo seus poemas. A rádio fez uma reengenharia (inventaram esse termo para justificar certas mudanças pragmáticas) e o programa ficou fora do ar. Eu havia gravado umas duas longas séries de poemas. O Wellington criou um blog e expôs, entre outros, o poema O Silêncio de Deus, explicando que fora o poema quje dera título a meu livro O Silêncio de Deus. Eu lhe agradeci, complementando que o poema é mais histórico ainda: deu o título ao livro, sim, e não está no livro. Na reengenharia (essa palavra feia que não justifica nada) que fiz em meus poemas, até o poema-título ficou fora. Para quem não o conhece, aqui está. 

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sábado, 20 de agosto de 2011

EMILY DICKINSON






EMILY DICKINSON

A bruma flutua.
Emily Dickinson passeia
à beira do rio, ao cair da tarde,
entre as árvores e os morros.

Quase anda sobre as águas,
ao pôr do sol, ao pôr da vida
no espelho d’água.
As pedras polidas no fundo.

Existir é líquido,
murmura Emily Dickinson
em delírio e lúcido
conluio com as coisas.

Ouve o cão na outra margem,
o eco do latido, que vai e volta.
Morrer é pouco para este momento,
as águas refletem, as pedras rolam.

             José Carlos Brandão



quinta-feira, 18 de agosto de 2011

A ROSA ESSENCIAL


























                                                     A ROSA ESSENCIAL


A rosa domina o mundo.
As suas pétalas são de fogo e queimam
os meus olhos.
Paira entre a luz do azul e o verde
das folhas.

Vontade de comer a rosa.
Que as suas pétalas cresçam dentro do meu corpo.
Estou fora do tempo e levito
sobre o abismo.
Ah, aprisionar o tempo numa garrafa
e jogar a garrafa nas ondas revoltas
do mar.
Este é o tempo de amar, com urgência,
mas o tempo não existe.

Chega um cavalo e pasta a rosa,
mas a rosa não se consome jamais.
A rosa é eterna.

Chega a tartaruga
e leva a rosa no casco, como num trono.
A tartaruga sabe que o tempo não existe.

Deus paira sobre as águas, sobre
as espumas brancas, dançarinas, femininas.

Os pássaros chegam para o espetáculo
e me levam para o despenhadeiro
das águas da beleza, das águas com a dor
nos lábios, na ponta da língua.

Os pássaros me levam para junto de Deus.

A rosa domina o mundo.
A rosa em fogo.
A rosa que existiu antes do tempo.
A rosa que eliminou o tempo.

                                                                     
                                                                   José Carlos Brandão

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terça-feira, 16 de agosto de 2011

PIRAJU


























PIRAJU

Pira-yu, peixe dourado na língua
dos índios, nomeia a cidade encostada

ao Paranapanema, o rio sem peixe na
mesma língua dos índios.

Piraju nasce de um peixe com o ouro
do sol nas escamas filigranadas.

Piraju se esparrama pelas encostas
dos morros verdes como os peixes.

O rio escorre entre os morros pintado
com o verde das árvores e dos peixes

para que Piraju brilhe e rebrilhe verde
e dourado com os louros do sol.


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