sexta-feira, 30 de julho de 2010

Poema de aniversário





Poema de aniversário

A areia branca escorre entre os dedos,
O suor escorre na minha face exausta.
Ninguém conhece o Ribeirão das Flores,
O Rio Batalha foi contra quem mesmo?

Vou buscar gabiroba no aeroporto,
Entre as cabras, há quarenta anos.
Venta no descampado sem limites,
Ao longe o trem apita como um navio.

O Vitória Régia resplende ao sol,
As pandorgas cabriolam no céu azul.
Os cachorros nadam na água suja,
Os meninos mergulham aos gritos.

O verde cresce na terra e nas almas,
O gavião voa sobre o campanário,
Deus sorri para as ruas e as casas.
A cidade faz anos e bate palmas.

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A foto foi tirada no Parque Vitória Régia, onde, partir de hoje, acontecem as festividades do aniversário de Bauru, que comemora 114 anos no dia 1º de agosto.

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Matão, raízes

https://www.youtube.com/watch?v=Zvk2fJ1-Xpo&t=15s

Vídeo de lançamento do livro "Memória da terra" (22-07-10), de JCMBrandão, mostrando que o autor faz poemas telúricos porque tem suas origens na terra.

Acesse o link:  https://www.youtube.com/watch?v=Zvk2fJ1-Xpo&t=15s
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terça-feira, 27 de julho de 2010

Coisas da terra




Coisas da terra

Eu falo das coisas da terra
Das plantas e dos bichos simples
A figueira na frente de casa
Os caracóis subindo na parede.

As jabuticabeiras pretas
Os sabiás com o mamão no bico
O bezerro Bito no pasto
Com o dia verde nos dentes.

Falo palavras redondas e úmidas
O café no terreiro ao sol
A água limpa vinda do mato
E a vaca Moela mugindo.

O cavalo cavalga no sonho
Tenho terra nos olhos e na língua
O milharal e os cafezais floridos
E o galo com o sol na garganta.

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sábado, 24 de julho de 2010

A figueira



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O jornal Bom Dia, em Bauru, na matéria sobre o lançamento do meu livro "Memória da terra", publicou o poema "A figueira" na foto do tronco da minha figueira. Gostei tanto que quis repetir o feito aqui - mas não consegui trabalhar bem com as cores, para deixar o texto bem legível. Se não conseguir ler após clicar para ampliar o texto, leia-o abaixo.


A figueira

Deito num vão no tronco da minha árvore.
É uma grande figueira velha de um século.
Estou deitado no meio de folhas amarelas
Com um cheiro bom pelo meu corpo inteiro.

Réstias de sol desenham figuras no ar.
Pássaros voam, pousam e cantam.
A claridade doce me envolve e sonho
A sombra do bezerro e a sombra da vaca.

Essa figueira foi minha desde que nasci.
O meu mundo eram os seus galhos e folhas.
O meu mundo eram suas raízes sobre a terra,

Seu tronco e sua sombra como um colo de mãe.
Envelheci, sou outro, a minha figueira envelheceu,
Não nos reconhecemos. O tempo não volta atrás.

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segunda-feira, 19 de julho de 2010

Convite e palestra de apresentação do livro "Memória da terra"




A poesia da terra

O primeiro livro de poesia que li foi “Os simples”, de Guerra Junqueiro. Eu tinha 15 anos de idade e disse lá comigo mesmo algo assim: “Então eu posso ser poeta. Se as coisas simples da vida, a gente e os bichos e as plantas que eu conheço podem ser matéria de poesia, e se o poeta é alguém comum e não uma abstração (naquele tempo o poeta era uma entidade abstrata – Camões, Bocage, mesmo Cruz e Souza, Bilac, muito distantes da gente, do que entendíamos por gente), então eu também posso ser poeta.” E escrevi o meu primeiro poema.

Era um poema sobre a figueira que havia em frente da casa da minha infância. Era um poema péssimo e eu sabia disso. “Mais tarde eu aprendo a técnica do verso e reescrevo”, eu me disse. Uns 35 anos depois, quando pensava já ter aprendido a técnica do verso, aprendi também que o verso não é necessário – verso, métrica, ritmo, rima, estrofes, etc. são acessórios, o essencial na poesia é a imagem. Se o poeta não cria a imagem num poema, não criou poesia. E escrevi um poema em prosa sobre a figueira. Logo depois, um segundo poema – também em prosa.

Alguns anos depois, o poema “A figueira” que está em “Memória da terra”. Os dois últimos versos, que estão na capa do livro, são a única vez em que expresso uma ideia. A poesia não é feita para expressar nada, mas para criar imagens. Fiz uma concessão (ninguém é perfeito) ao escolher os poemas de “Memória da terra”, talvez porque é uma passagem significativa: a infância morreu, nós somos outros, a própria terra é outra, impossível recuperar o tempo passado. Apenas como memória, como Proust fez. Mas eu optei por cantar a terra no presente. Cantar a beleza da terra em si, como estou vendo hoje. Como uma homenagem à terra que eu conheci, ao menino que eu fui.

Não faço poesia sobre coisas antigas. Não pretendo recriar o passado. Crio imagens vivas, do aqui e agora. Como vi e senti no momento presente. A terra é o domicílio do homem neste universo. Impossível conhecer a complexidade do universo. Impossível conhecer a complexidade do próprio homem. Mais lógico cantar o que vejo e toco, coisas concretas e não abstrações, com palavras simples e diretas. Sem ideias, com imagens. Se estou mostrando o que vejo, estou criando imagens. É inócuo fazer elucubrações intelectuais sobre a vida ou o universo. Não estou escrevendo um ensaio, mas poesia. Poesia se faz com imagens. Só.

O poeta é quem acredita na frase “Uma imagem vale mais que mil palavras” – e dedica uma vida a transformar palavras em imagens.

Como concessão, incluí (ninguém é perfeito, repito) alguns elementos da memória. O terreiro de café, as jabuticabeiras, o grito do meu pai, os olhos da minha mãe, o bezerro Bito, a vaca Moela. O mais são imagens presentes, que acabei de ver. Costumo dizer que não tenho imaginação. Mas imaginação também pode ser definida como capacidade de associar imagens, que é o que faço, e portanto – tenho imaginação. Às vezes também o que vulgarmente se chama imaginação. Veja o poema “A argola”. Muita gente, a maioria, dirá que é memória. É pura invenção (nunca existiu argola nenhuma). Poesia é ficção. Muita gente, a maioria, costuma se esquecer de que poesia é ficção.

Essa é a minha poesia da terra. Simples, clara, visual – imagens para o leitor ver. Poesia não é feita para ser explicada. Não ponham palavras na minha boca. Eu escrevi apenas o que está ali no poema. Por que interpretar, querer deduzir o que eu disse? Se eu quisesse dizer, eu diria. Eu apenas escrevi um poema. Veja as suas imagens, extasie-se com elas. Um poema não quer interpretação, mas comunhão. Não é um enigma para ser desvendado, mas um objeto de arte que se oferece para a fruição estética.

Como no momento estou tomando notas para uma palestra (estou escrevendo algo como um ensaio, que é terreno de trabalho intelectual), vou sugerir umas ideias. Se estivesse escrevendo um poema, deveria criar apenas imagens. Aqui, vou lembrar a epígrafe do meu livro: “Vivo a natureza integrado nela, de tal modo que chego a sentir-me, em certas ocasiões, pedra, orvalho, flor ou nevoeiro. Nenhum outro espetáculo me dá semelhante plenitude e cria no meu espírito um sentido tão acabado do perfeito e do eterno” (Miguel Torga, Diário II). Li essa passagem depois de terminado o livro. Não escrevi minha poesia para justificá-la. Ela justifica minha poesia. É como se eu estivesse falando de mim mesmo. Interessante que a li depois de fazer meus poemas.

A capa do livro deveria ser uma foto da figueira. Caiu um raio sobre a figueira, não é a mesma. Como eu não sou o mesmo. Mas continua lá, no Matão – a Fazenda São José do Matão – da minha infância. Na contracapa estou abraçando uma de suas raízes, pode-se ver como a figueira ainda é enorme. Na capa, a figueira e a casa onde vivi os meus primeiros oito anos. A figueira centenária, como um símbolo do Matão. A casa também centenária, também resistindo ao tempo implacável.

Vou mostrar um vídeo: “Matão, raízes”. Quero dizer que escrevi poemas telúricos porque vivi no Matão e, ali, aprendi a amar a terra. Não aprendi com poetas ou religiões do Japão, China ou Índia. Aprendi com a terra que conheci. Influências? Todos temos. Telúricas, em poesia, tive principalmente de Raul Bopp e seu “Cobra Norato”. Imagens da terra, dos bichos, das árvores, da vegetação exuberante da Amazônia – imagens anímicas, antropomorfizadas.

Davino Ribeiro de Sena disse que eu, em meu livro “Presença da Morte”, premiado na V Bienal Nestlé de Literatura, tinha uma característica bem pessoal de escrever – que usava o sujeito sem o artigo (desde o primeiro poema: “Lâmpada falava, mariposa ouvia. (...) Escorpião se aproxima...”). Eliminei logo essa minha característica “pessoal”, que era de Raul Bopp. Não tinha sentido usar um recurso acessório de Raul Bopp. O que de essencial aprendi dele foi como, em minha poesia, dar vida, sentimento, alma às coisas da terra.

No projeto que apresentei à Lei de Estímulo à Cultura, propus dar um banho de natureza no leitor, com poesia de qualidade. Confiram o que eu entendo por "poesia de qualidade"; ninguém poderá negar o “banho de natureza”. São cem poemas telúricos, cem poemas de exaltação da terra. Somente em Manoel de Barros você vai encontrar tão forte presença da terra, mais do que em “Memória da terra” – mas Manoel de Barros é o maior poeta brasileiro. Conheci primeiro Raul Bopp, mas é uma honra ver lembrarem Manoel de Barros quando leem minha poesia (apenas lamento Raul Bopp ficar tão esquecido).

Em 1989 eu estava datilografando os originais da primeira versão de “Memória da terra”, para o concurso da Bienal Nestlé de Literatura. Deram mais um mês de prazo. Nesse mês escrevi “Presença da morte”, poemas telúricos. E não da morte, góticos, com gosto pelo macabro. Era a morte das coisas da terra, que permaneciam presentes ainda em mim. Os poemas são o reflexo da presença da terra. A pressa (lembre-se: fiz o livro, setenta poemas, em um mês) levou-me a essa falha.

“Memória da terra” começou a ser escrito em 1989. Em 1991, fiz “Sol no umbigo”, que recebeu o Prêmio Brasília de Literatura. A maior parte dos poemas do “Memória da terra” atual são bem recentes – a exceção (10%) são alguns poemas de 1989 (da primeira versão de “Memória da terra”), de “Sol no umbigo” e outros escritos há uns dez anos. Venho aperfeiçoando a minha poética neste tempo todo. Este “Memória da terra” que entrego aos leitores é o melhor que posso dar de mim, em técnica e esforço. Começou a ser escrito naquele primeiro poema, “A figueira” (portanto, há 48 anos), incipiente, tateando o caminho que se estende até hoje, pesquisando, aprendendo aos poucos. É obra de uma vida.

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(O vídeo estará no YouTube depois do dia 22, com link aqui.)

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domingo, 18 de julho de 2010

É dia, Maria




É dia, Maria

Pôu! – e depois outra vez muito longe: Pôu!
A mão de pilão descendo pausadamente
O monjolo líquido moendo o tempo
O galo do sol bica a farinha da aurora.

O cavalo me olhava e relinchava
Me olhava e relinchava novamente
Os gansos deram o sinal de alarme
O dia nasceu da barriga do sapo.

Todas as pétalas do jardim sorriram
Com as pérolas do orvalho pulsando
A terra era um pulmão e regurgitava
As abelhas voaram com ouro nas patas.

O menino anda com as vacas no pasto
O cachorro corre na frente latindo
Os bezerros dão pinotes felizes
As garças brancas inauguram o dia.

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sexta-feira, 16 de julho de 2010

Pôr-do-sol





Pôr-do-sol

O arame farpado na garganta do sol
O sangue mancha todo o horizonte
O arame pega fogo, solta faíscas
Incendeia as árvores, o mato inteiro.

As garças passam voando com as asas
Em chamas, caindo chispas das penas
As nuvens frigem na fogueira da tarde
O vidro do céu se embaça na fumaça.

As touceiras se agarram nos barrancos
As lágrimas do capim escorrem na terra
Os galhos verdes estralejam com a queimada
O negrume do carvão se espirala no ar.

Olha que vem o vento trazendo a lua
E a estrela Vésper como um balão azul
A noite se acende no grito dos grilos
Os vaga-lumes viram estrelas no céu.

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quarta-feira, 14 de julho de 2010

Mucuripe



Mucuripe

Entre os barcos e as casas dos pescadores
Há uma mesa com seus bancos fincados no chão,
Alguns copos, um ou dois pratos, talheres
E bocas famintas e olhos arregalados.

Cachorros andam de um lado para o outro
Perseguindo a própria sombra,
Um resto de comida, a vida
Preguiçosa como os gatos pardos,

Que se esparramam por ali,
Na modorra de donos absolutos do lugar.
As árvores projetam a sua sombra verde
Sobre esse chão pobre, cheirando a lixo e dor.

Uma criança chora: é sinal de vida.
Um velho ergue uma garrafa de pinga
Enquanto exibe o peito coberto de tatuagens.
Uma mulher oferece um peixe e grita como louca: Viva a vida!

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O Sangue da Terra, 2010 - Fortaleza, CE.
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segunda-feira, 12 de julho de 2010

A Pedra-Balão




A Pedra-Balão

Você subiu na Pedra-Balão.
Eu a vejo de vermelho
Numa moldura de flores vermelhas
Iluminadas pelo sol do inverno.

Os periquitos verde-amarelos gritam.
Você contempla o mundo do alto.
A pedra se ergue sobre o abismo.
O mundo é feito de pedra e verde.

Os raios do sol abençoam a pedra
Enorme como um meteoro.
O universo inteiro se concentra
Nessa pedra sagrada como um altar.

Num vão sobre a pedra eu vejo o azul.
O céu líquido no seu bojo materno.
O mundo é pedra, pedra, pedra. E flutua.
Montes vestidos de verde sob o céu azul.

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sexta-feira, 9 de julho de 2010

A seriema




A seriema

A seriema majestosa me olha
E marcha a meu lado no capinzal.
A árvore projeta a sua sombra
Sobre as pedras brancas da montanha.

Um pequeno pinheiro inclina-se
Na encosta, sobre o vale sossegado.
A neblina sonolenta dança no ar.
Você não olha para trás.

Olho a sua face séria sobre o abismo.
Você caminha decidida
Sobre a trilha de folhas secas.
Você leva a paisagem nos olhos.

O verde cobre as montanhas.
Lagos azuis espelham o sol.
A seriema grita para o abismo
E corre com as asas abertas.

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quarta-feira, 7 de julho de 2010

Entrevista a Marcelo Novaes (clique aqui para abrir)


Passeio





Passeio

A formiguinha passeava
Sobre as pétalas da camélia.
Uma gota de orvalho refletia
A minha cara e o bico de um sabiá.

As pedras eram verdes de limo,
Os caracóis sorriam ao sol.
As samambaias e as avencas pendiam
As folhinhas crespas para a água da mina.

As árvores conversavam comigo,
Contavam casos de raízes e líquenes.
Um ouriço trepava na figueira.
Os guizos da cascavel tilintavam.

O meu cavalo resfolegava na estrada.
O meu cachorro arfava de cansaço.
O sabiá-laranjeira cantava para mim.
Vinham tantos cheiros na minha língua.

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sábado, 3 de julho de 2010

Campo de névoa




Campo de névoa

Apenas as enxadas se erguem e abaixam
No campo coberto de névoa.
O orvalho cai suave
Sobre as melancias abertas.

Eu suspiro baixinho
Olhando as flores no alto das árvores.
O vento desenha arabescos
No capinzal.

Florinhas de capim
Crescem à beira do riacho.
Rolinhas voam da laranjeira seca
No meio da palhada.

O cachorro corre, latindo atrasado.
O boi velho muge sonolento.
A cobra se enrosca no moirão
Com preguiça e malícia.

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Caros amigos, desculpem a ausência.
Estou mesmo ausente: em viagem.
Logo, logo, retornarei.