O córregoOs brotos de bambu crescem rodeando a casa,
A água parada brinca com os girinos,
Giram no ar as jabuticabeiras pesadas,
As pedras sonham com a carne dos lagartos.
A cadela delira com o dia das maritacas,
O joão-de-barro palpita com a sua casa,
O arado levita nas asas do beija-flor,
A orquídea eleva a árvore acima do sol.
A vida clara estala na cacimba,
A borboleta adora a terra vermelha
E as flores semeadas no canteiro.
Meu canto engorda na ponta dos dedos,
As laranjeiras adernam no quintal.
No córrego a beleza nua e límpida.
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Ao Vasqs, que gostaria de ter escrito um outro poema, O Orvalho da Amora, que falava do córrego da infância, escrito no mês passado, enquanto este é do século passado, dever ter uns doze anos,
também à Claudinha, que não pode lembrar que eu nasci em Dois Córregos sem rir, e nem sabe que minha cidade tem três córregos, nasceu na confluência do córrego Fundo com o Lajeado, que se unem para formar o do Peixe, que vira rio, cresce, torna-se o Rio Jaú, que vai dar nome à cidade vizinha.
Carlos Reichenbach fez um filme chamado Dois Córregos, mas sem querer engana o incauto que vê uns córregos enormes, o rio Jacaré e o rio Tietê, que também banham o município de Dois Córregos.
Quando meu casei, fui morar na beira de um córrego, as vacas e as éguas de noite vinham se coçar nas paredes da casa, ou poderia ser uma anta, havia antas e capivaras por ali.
Mas o córrego da minha infância é bem longe dali, no pedaço de mato onde eu nasci, lugar que um dia foi tão grande que chamaram de Matão, e o córrego corria nos fundos de casa, não tão perto quanto o poema faz supor, havia antes uma imensidão de pés de jabuticaba, nunca vi tantos juntos depois, havia muitos outros pés de fruta, havia o mangueirão dos porcos, havia pássaros e outros bichos e havia encantos muito mais que o poems faz supor.
Ninguém acredita, mas eu nasci no paraíso.
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