segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Uma canção esperada







O amor é inefável.
Os crisântemos são eternos por causa do amor.

A gente sua estrelas quando ama.
Isto não é sexo, mas poesia.

Isto não é poesia, é registro de maravilha.
Amar é adoração, divindade, êxtase.

Ficamos tão estúpidos quando amamos,
que nem percebemos.

Eu quero tocar os guizos da alegria.
O amor é um banquete. É um sino dentro dos olhos.

O amor quebra vidraças. Estamos moendo estrelas.
O amor é alto. Conhecemos o amor como diamante.

A Via-Láctea chove sobre nós. Pisamos as brasas do amor.
Limões explodem. Somos verdes com o sumo por toda a pele.

Laranjas e estrelas dançam no alto. Poalha levíssima chove sobre nós.
A mão do pilão socando até o êxtase. A mão do pilão como o coito.

Coito, essa palavra bonita. Os teus lábios são bonitos. Vermelhos.
Colho mel entre as tuas pernas com os marimbondos vermelhos.

O nome de Deus é o verbo, o nome do amor é um corpo.
Nomeio o meu cavalo como nomeio o amor: corpo.

Amor natural como o êxtase
do corpo no corpo.

O amor inventa
a morte.

O universo se ajoelha
diante do amor.

Não existe nada antes do amor.
Nem depois.

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À maneira de Manuel Bandeira, que fez o poema "Antologia" com seus versos mais significativos, fiz este poema-antologia com versos do livro "Poemas
de amor", Joarte Editora, Bauru, SP, 1999. Li-o em público algumas vezes, por ocasião do lançamento do livro; agora, lembrei-me de que não o mostrara para ser lido.

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sábado, 28 de agosto de 2010

À beira do lago

Flores sobre o lago



À beira do lago

Um peixe salta, um som verde-escuro
Na sombra da montanha. As águas correm
Com a aragem da terra. Entro no lago
Sob o olhar dos marrecos e das garças.

O dia sobe e desce com os lírios
E a sua dança delicada, lívida.
O orvalho cai no dorso das lagartas.
Flores de cerejeira esparsas, róseas.

Um pica-pau nervoso canta e grita.
Nós nos olhamos, eu e um sapo enorme.
Já saí da água e rezo para as árvores:
Eu me lembrei de Deus, como um perfume.

A flor da noite pende a fronte e cai.
Um espantalho, cômico, gargalha.
A aranha diligente tece a teia.
Os pássaros, com as estrelas, cantam.




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Poema do meu heterônimo Gregório Vaz aqui.

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quinta-feira, 26 de agosto de 2010

A paineira




A paineira

Você observa os galhos despidos
Erguidos em riste contra o céu azul
E as nove casas de joão-de-barro
Protegidas pelos espinhos da paineira.

Uma paina no chão, semi-aberta, espera.
Os fiapos brancos buscam o ar livre.
Você toma a paina nas mãos como um bicho:
Parece que se mexe, pulsa, quer voar.

Há desenhos de árvores e pássaros no chão.
Um pequeno pardal bica a própria sombra.
Uma flor solitária da paineira brilha
Entre os espinhos, sobre as águas do rio.

Um sanhaço muito azul salta de galho em galho
E dança na luz, paira no ar, caçando bichinhos.
Um sabiá se refresca à beira d’água e canta.
Os peixes curiosos espiam de cabeça de fora.

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terça-feira, 24 de agosto de 2010

A cigarra




A cigarra

Estrídula, a cigarra chia e canta.
A cabra dorme à sombra do mourão.
A menina boceja na varanda.
A manhã é tranquila, entre os crisântemos.

A lagarta se sonha borboleta.
A libélula pousa no barranco.
Uma minhoca cava em silêncio
A sua alcova úmida no barro.

Ouço a quietude da moringa d’água.
A melancia fresca de orvalho.
O aroma das ameixas no pomar.
O cafezal ressona sob a névoa.

O cavalo urina no jardim.
A garça voa sobre os bois, revoa.
A coleirinha salta no capim.
A rã caça mosquitos no laguinho.

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segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Mamar



A vida é esse leitinho quente que sai das tetas da minha mamãe.

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Vídeo e legenda: Sônia Brandão

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sábado, 21 de agosto de 2010

O paraíso




O paraíso

Mais belas que as águas da minha terra
Somente a minha terra mesmo. A minha terra
E as árvores e as garças, e um boi e um bezerro.
As águas e tudo mais são parte da minha terra.

Quero que me enterrem debaixo de uma árvore
Para escutar os passarinhos da manhã à noite.
Talvez qualquer hora dessas eu saia voando.
Já aconteceu, voei até cansar, depois virei louco de novo.

Uma vez um gato me desfolhou de todas as penas,
Saí voando pela janela como um anjo pelado.
Os anjos vêm do iníco do mundo, depois ganharam penas
Coloridas como os passarinhos, e trinaram nas árvores.

Voltando a falar de beleza, tem o orvalho na flor de cereja,
Numa pétala de rosa. É um diamante líquido, mas trina.
Um passarinho vira uma palavra dourada e trina na gaiola,
Mas fora dela, no mato, que é um lugar chamado paraíso.

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Foto: O mato visto do fundo de casa (da casa da minha infância).

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sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Bichos





Bichos

O peru estica o pescoço e solta,
Do fundo das entranhas, o grito.
Os porcos, fuçando a lama, grunhem.
O burro pasta preguiçosamente.

O chupim se equilibra
Sobre o dorso do velho cavalo.
A garça sobrevoa as vacas
E os jumentos à beira do riacho.

As galinhas, displicentes, ciscam o chão.
A pata nada com seus patinhos.
A cadela corre e mergulha na água.
O joão-de-barro remexe a lama.

Os bezerros presos mugem.
E o carneirinho, sacudindo desesperado
As tetas da mãe, mama que mama,
Como se viver fosse apenas mamar.

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quarta-feira, 18 de agosto de 2010

No bosque




No bosque

Qual é a causa da tristeza da arara?
A arara ri, gargalha de tanta tristeza.
Uma garça pousada em cima do boi
Faz pose, exibe a sua beleza branca.

O sabiá na paineira procura a luz.
O sol escorre pelo tronco, como ouro.
Você se encosta ao tronco da figueira,
Sente a casca dura na sua pele delicada.

O musgo sobe pelo tronco, envolve-o,
No entremeio das parasitas floridas.
Um tucano no alto, num galho fino,
Resmunga, e se mexe de lá e para cá.

Um pica-pau confunde-se com as rugas
Do velho tronco, em busca de alimento.
Você caminha atenta, e contempla
A festa dos galhos cruzados no azul.

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segunda-feira, 16 de agosto de 2010

A corruíra




A corruíra

A pequena corruíra salta
Da raiz da figueira para o chão.
Venta. As folhas gargalham.
O sol gargalha nos galhos da figueira.

O cupim construiu o seu cupinzeiro
No tronco partido em dois por um raio.
As abelhas voejam, entrando
E saindo, entre as parasitas, no tronco.

O vento derruba as folhas da figueira.
A corruíra voa de folha em folha.
Esfolo o pé entre as raízes.
As formigas em fila, atarefadas.

As formigas diligentes carregam
Todas as pétalas do mundo na cabeça.
A corruíra salta do chão para a raiz
Iluminada pela réstia de sol.

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sábado, 14 de agosto de 2010

O dia da Criação




O dia da Criação

Todas as pedras floriram na primavera.
As flores ouviam o silêncio do orvalho.
Os passarinhos ouviam a conversa dos ventos,
Depois iam contar para as árvores à beira d’água.

Um gavião explode o azul. O céu parte-se.
Um barco inútil descansava numa enseada.
Eu tinha um beija-flor me bicando os olhos.
Dava vontade de morder a carne da manhã.

Eu era um caracol grudado numa pedra, com limo
Na boca, na língua e nos dentes. Eu era verde.
Eu não conhecia nenhuma palavra, como um sábio.
Todas as palavras eram novas, eu soprava e inventava.

Quando uma palavra se gasta, é preciso chorar e enterrar.
Mas para cada palavra morta nasce outra viva, esperneando
Como um lambari. As palavras pedem para nascer,
Voar e trinar. As palavras quando nascem são poesia.

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"O dia da Criação" - uma homenagem a Vinicius de Moraes.
Porque hoje é sábado.
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quinta-feira, 12 de agosto de 2010

O mato




O mato

O capão de mato ao fundo me fascina.
Nenhum mistério, apenas a beleza
Das árvores e da água bem no centro.
Existe uma pureza que não se explica.

Animais, pássaros raros se agasalham
Entre seus recantos mais escondidos?
Apenas a beleza de uma orquídea
No alto de uma peroba brilhando ao sol.

Ouço o sibilo dourado dos guizos
De uma cascavel? Uma jaguatirica
De tocaia ruge? A arara gargalha?
O esquilo salta num raio de luz.

Depois é tudo quietude, silêncio verde.
Os marimbondos zumbem alvoroçados
Na sua cachopa à beira de um barranco.
A sombra do mato me acolhe nos braços.

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Desde a minha infância esse mato, bem ao lado de casa, me fascina (é o mesmo da foto do cabeçalho do blog).

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Aquarela







Aquarela

As flores-de-São-João dão vida à arvore seca,
O ipê roxo se eleva entre a estrada e o pasto.
A água escorre de uma montanha de pedra
E é como sangue resplandecendo ao sol.

O céu límpido ao fundo dói de tão azul,
Um gavião carcará passa voando e grita.
As plantações de vários tons de verde
Brilham enfileiradas nos montes em frente.

A fumaça espirala-se das casas nas encostas.
Um jumento cansado rumina o universo
Com os olhos tristes, mas com paciência.
E o vento silva sem pressa no capinzal.

Uma capelinha branca na montanha mais alta,
Um inviável barco a vela no pequeno lago,
A água cai, em festa, de uma calha de bambu.
Colhemos, nos olhos abertos, a calma do dia.

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Fotos: em Pocinhos do Rio Verde, Caldas, MG.

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Visite meu outro eu: http://gregoriovaz.blogspot.com/2010/08/aniversario.html

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terça-feira, 10 de agosto de 2010

O jardim à beira d'água




O jardim à beira d’água

A garça branca e a garça preta
No topo da árvore sobre o rio.
As águas passam, fazem uma enseada
Em volta do jardim e do pomar.

A borboleta bailarina entre as flores,
As margaridas e os amores-perfeitos.
Por que tem tantas cores o amor-perfeito?
No galho da roseira o canário trina.

As garças refletidas nas águas
São levadas pelo cristal do rio.
O cachorro late, late para as garças,
Chora de leve, desiste e persegue as vacas.

As garças grunhem como porcos no chiqueiro.
Os espinhos da roseira selvagem
Tornam mais belas as rosas. Um melro
Pousa no telhado, olha o rio, e canta.

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domingo, 8 de agosto de 2010

O canário



O canário

Olha o canário: canta, depois voa.
A libélula cai de uma haste fina.
O capim brilha à beira da lagoa.
O sol beija de leve as folhas verdes.

O vento esconde-se no bambual.
O gavião soberbo na manhã.
Refresco os pés nas águas do riacho.
Os lambaris, lavados e prateados.

Olha o canário: vai morrer, mas canta.
E olha a borboleta como dorme.
Olha os patos selvagens como gritam.
E as águas correm verdes entre as pedras.

Um grilo grita muito fracamente.
Um sagui se pendura num cipó.
Os pica-paus martelam o coqueiro.
O céu e as nuvens são um rio sem água.

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sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Cromo




Cromo

A garça branca ergue muito o pescoço
E olha do alto, solene, a vaca preta.
A vaca pasta com resignação
O capim verde à beira do mato.

Perto, com seus espinhos, um pé de limão.
A água corre escondida, não muito longe.
Um tucano passa agitado, aos gritos.
Dois coqueiros se ajeitam entre as árvores.

Nuvens brancas esparsas no céu azul
Lembram a paina das paineiras nuas
Ou a lã das ovelhas tosquiadas.
Quase as ouço balir à distância.

Os cavalos pastam sossegados:
Sabem que o verde nunca terá fim.
Os cachorros descansam à sombra
E prossegue o trabalho das formigas.

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A B. Lopes. Eu era quase criança quando conheci os "cromos" de B. Lopes. Depois, quando comecei a fazer poesia, fiz algums "cromos" à maneira de B. Lopes - ou que eu pretendia que fossem à maneira, quando eram apenas péssimos. Dia 27 de julho último escrevi este poema e ocorreu-me o nome Cromo – somente então me ocorreu que muitos poemas que tenho escrito poderiam ter esse nome, usado por B. Lopes. Bom. Não tenho intenção de ser "moderno", nem "inovador". Sem nenhuma intenção premeditada, escrevo cromos, como B. Lopes, embora à minha maneira.
Se alguém quiser comparar, conhecer ou recordar: http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_brasis/rio_de_janeiro/b_lopes.html

terça-feira, 3 de agosto de 2010

A ruazinha




A ruazinha

É uma ruazinha estreita, para pedestres
E carrinhos de mão, jumentos e cachorros.
Quem vem? Ninguém. Inúmeras vezes ninguém
Transita na ruela magra de outros tempos.

Velhos vasos de flores descansam aos lados.
Algumas plantas sobem até os telhados,
Refletidas nas poças d’água entre as pedras
Da minha rua torta, esguia, em declive.

O céu cinzento acima dos telhados sujos,
As paredes com limo verde escorrendo.
É de ferro a sacada, velha, para nada
Se ver, da vida pobre, parada num canto.

Duas ou três janelas dão para os porões
Que aprisionam mistérios nenhuns: bolor, mofo,
Silêncio e escuridão. A vida dorme aqui.
À sombra da memória, o pêndulo do sol.

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"A ruazinha" é uma brincadeira - um exercício proposto pelo blog http://gambiarraliteraria.blogspot.com/2010/08/exercicio-de-criacao-1.html do poeta Edson Bueno de Camargo.

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Veja também: http://gregoriovaz.blogspot.com/2010/08/o-poema-perfeito.html

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segunda-feira, 2 de agosto de 2010

As palavras e o mito




Irmão

Estrondeia livremente por onde passa.
Tivesse botas de sete léguas
Seria o jaburu planando sobre as águas.
Sabe a gabiroba no entardecer,

Sabe o beiço roxo da amora.
Tudo festagens da felicidade.
Quer rasgar todas as palavras,
Sabe o nome das coisas sem palavra no meio.

É um gigante que ninguém sabe,
Mato sabe e comunga.
Nasce um lago onde pisa
Com bagres e tizius floridos.

É criança e chora com todos os dentes
E ri com todos os olhos.
Tem doze olhos na ponta dos dedos,
Mais um para ver por dentro.


Irmã

Sentava no jardim.
Mastigava pétalas de rosa,
Comia bocados de terra,
Alguma raiz.

Quebrava caracol nos dentes,
Saboreava.
Estudava horas com o sapo
Meneios da língua,

Palavra em larva.
Atrás de casa desovava
Uma lagarta de fogo.
A pedra floresce do limo,

Do meu cuspe verde-negro.
Comia um carreiro de formigas.
Formiga na língua esperta a palavra,
Palavra com gosto de formiga inebria.

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Estes poemas têm dez anos mais ou menos.