segunda-feira, 29 de março de 2010

A maior tragédia do poeta




A maior tragédia do poeta

Disse Jean Cocteau que "para o poeta a maior tragédia é se o admiram porque não o entendem." Revi essa frase esses dias e comecei a refletir se meus últimos poemas (os que tenho mostrado, há outros que elaboro e reelaboro infinitamente e secretamente) são fruto dessa reflexão. A busca da simplicidade para não ser admirado, se o for, porque não me entendem. Comecei a escrever poemas complexos demais, para leitores iniciados. Considerava que a simplicidade era dificílima e só poderia ser atingida com muita experiência. Seria fruto da maturidade.
Mas me lembrei de que O Córrego tem uns doze ou quinze anos, Ele Era Nosso Pai tem mais de 15, Poente tem uns 20... Não foi agora que atingi essa maturidade, se é que consegui a façanha de ser entendido. Porque a questão não é tão simples. Um grande amigo reclamou: “Você escreve difícil, Zé.” Acontece que esse amigo não é leitor de poesia, aliás, não é leitor de coisa nenhuma. Penso que está respondida a questão: quem não é leitor de poesia, por mais que tenha boa vontade, por maior que seja a amizade, não entenderá o poema mais simples. E muitos, além de não serem leitores de poesia, não são leitores de nada – a esses é impossível esperar-se o milagre de entenderem um poema.
Por falar em entender um poema, tenho insistido nesse ponto há muitos anos: um poema não é para ser entendido. Mas fruído, degustado aos poucos, saboreado com prazer – aquele prazer que leva ao êxtase estético. Não é preciso se analisar a obra para se saber o que o autor quis dizer, não é preciso explicar pari passu as suas intenções aparentes e ocultas. Um poema não é uma obra de autoajuda para transmitir uma ideia banal ou profunda que possa ser lida como uma filosofia de vida. O poeta não transmite ideias, mas imagens. O poema não tem nenhum compromisso com a verdade, mas apenas com a beleza. Se é que tem algum objetivo, será o de encantar, extasiar.
As imagens do poema, inevitavelmente, farão bem ao leitor. Se gostou, se se emocionou, se sentiu que a realidade é bela, e a beleza é sempre um bem, e se sentiu que a realidade é mais do que a realidade, ou se apenas sentiu a realidade, o poema lhe fez bem. Mas, repito, não é preciso explicar essas imagens. Não sejamos tão magistrais. Afinal, repetindo-me ainda, explicar uma piada tira toda a graça da piada – quem precisa de explicação ri sempre sem graça, fica com cara de bobo.
Se é diminuir muito a poesia compará-la à piada, comparo-a então à mágica. A poesia tem o sortilégio da mágica. E sabemos que um mágico não ensina como realiza seus truques, seria tirar-lhes todo o encanto.
Desmontar o relógio ou a caixinha de música para saber como funciona tira-lhes toda a graça. A criança quebra o brinquedo para ver o que tem dentro e depois chora, não só porque está quebrado, mas porque sempre era melhor não saber.
Não prego a ignorância (ainda mais que já dei a entender que sou contra toda pregação). É preciso desenvolver no leitor o gosto estético. É preciso que o leitor tenha, antes, a capacidade linguística. João Cabral fez séries de poemas sobre o ovo, o relógio ou a cabra, matérias não-poéticas – estava ensinando-nos que poesia é antes de tudo uma questão de linguagem.
O poeta precisa dominar a linguagem para escrever (até para escrever errado). E o leitor precisa dominar a linguagem, não para entender um poema, mas para senti-lo. Sentir já é uma forma de entender.
Quando se fala em sentir, pensemos em sensações. O poema é uma forma, que posso manusear, ver, ouvir, cheirar, saborear. O poema é um objeto que deve tocar aos meus cinco sentidos, talvez a um sexto, a um sétimo... Estaríamos falando da imaginação, da perplexidade metafísica... Mas não é preciso complicar. Fiquemos nos cinco sentidos, que, pelo menos teoricamente, são bem fáceis de entender. Fiquemos no prazer de sentir as imagens do poema, é muito, pode ser tudo.
(Como no poema de Manoel de Barros: “Olha, mãe, eu só queria inventar uma poesia. / Eu não preciso de fazer razão.")

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Ao poeta Edson Bueno de Camargo, que andou em palpos de aranha por causa de certos não-leitores.



7 comentários:

Adriana Godoy disse...

JC, brilhante seu texto. Lido, conferido, aprovado. Bravo! Beijo.


PS: Aos poucos, vou voltando...

Marcelo Novaes disse...

Brandão,





Manoel só pode "entortar" a linguagem, por bem saber da "insuficiência de suas retidões". E dominá-las.




Abraços.

Edson Bueno de Camargo disse...

Caro Brandão,

Falaste tão bem que vou espalhar esta crônica para os quatro ventos.
É isto mesmo. Deu voz aos meus sentimentos.


Só acerte o "Carvalho", para "Camargo", por alguma razão obscura o corretor ortográfico do word cisma com meu nome.

Sonhadora (Rosa Maria) disse...

Muito bom o seu texto, gostei muito de ler.

beijinhos
Sonhadora

Regina Coeli Carvalho disse...

Poesia não é para ser explicada e sim para ser sentida.
"Escrever nem uma coisa
Nem outra –
A fim de dizer todas –
Ou, pelo menos, nenhumas.
Assim,
Ao poeta faz bem
Desexplicar –
Tanto quanto escurecer acende os vagalumes."
Manoel de Barros

Meu abraço fraterno.

dade amorim disse...

Perfeito, Brandão. Para ser sentido é que existe o poema. Também para justificar o sexto e o sétimo sentidos, para mim, os da imaginação e do desejo de ilusão. O que seria da gente sem viver esses sentidos?

Posso transcrever essa crônica no Umbigo do Sonho?

Fernando Campanella disse...

Muito boa escrita, Brandão, pensamento lúcido, bem desenvolvido, você tocou no x da questão 'ler poesia'. Realmente quando se escreve poesia não se espera a atenção da mídia, do 'Faustão', do Ibope, e por aí vai. Nada contra o que mencionei, mas quando falamos em poesia, literatura, ou arte em geral, estamos pisando no território da sensibilidade, de outras percepções. Então há que se possuir o espírito afim, há que se ter um certo interesse , um conhecimento das linguagens em que a arte se manifesta.
Poemas complexos ou não, não importa. O que realmente conta é a fidelidade de quem escreve ao seu estilo.
Você abordou magnificamente o tema.
Grande abraço.