domingo, 28 de fevereiro de 2010
O pomar do dia
O pomar do dia
As maritacas trincam o céu das frutas maduras,
O ouro escorre da árvore.
Olhar uma árvore é multiplicar o olhar,
O prisma das folhas me entrega o universo.
Os gerânios vermelhos entre o musgo verde,
Os cravos rosados na água brilhante do jarro.
Na forja da tarde, o martelo da araponga.
As pitangas são gotas de sangue.
A romã explode, as sementes são diamantes.
Uma cigarra quebra as vidraças da tarde.
Um melro voa de um galho de cedro.
Cálices de flores gritam no alto dos ipês,
Pássaros pingam mel.
A vida é perfeita no pomar do dia.
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segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010
O novo Orfeu
O novo Orfeu
Desço ao inferno como Orfeu.
Sou dilacerado pelas palavras do mundo, minha musa.
Eurídice me espera numa curva da estrada.
Eurídice está livre.
Sou eu que dou a forma da liberdade a Eurídice.
Carrego a chave na mão e a chave é uma cruz.
O madeiro da cruz pesa tanto, eu sangro,
Mas caminho altaneiro, sem titubear, entre as pedras
E as serpentes, que me tentam com a maçã preciosa.
Sou pregado na cruz, de cabeça para baixo.
É minha a chave do mistério.
Eurídice é bela, fecunda e se multiplica entre os filhos dos homens.
Como Orfeu, no fundo do inferno,
Eu componho a música da liberdade.
(4-12-07)
sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010
Equilíbrio
Equilíbrio
Colore a manhã a seda simples da brisa.
Uma garça valsa na margem do rio,
O sol doura a água.
Venha beijar comigo o orvalho dos nenúfares.
O tuiuiú se levanta da água
Com um peixe de ouro no bico.
A pena da paisagem era de ouro e prata,
Cada vez mais florida a plumagem do dia.
As taboas deixavam cair os pendões
Em reverência ao azul do céu e da água.
Uma borboleta saltita no ar
Entre as florinhas amarelas.
Um flamingo equilibra
A perna fina do silêncio.
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quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010
Delírios
Delírio
O lago reflete
o incêndio de um lírio.
Tchibum
Um beija-flor mergulha
de repente – tchibum! –
por meus olhos a dentro.
Iluminação
Era uma pedra dourada.
Quando se abriu, voaram diamantes.
Pombas brancas na tarde azul.
Avalanche
A lua entre as pedras
faz cair da montanha
uma avalanche.
Os sinos
Os sinos de bronze
nas ladeiras de Ouro Preto.
A alma resfolega.
O pastor
Um pássaro num sino,
na alta montanha,
tange as nuvens.
O êxtase do enforcado
A criança ofereceu uma flor
ao enforcado.
O êxtase do poeta
O poema é natural.
A árvore, sobrenatural.
O pomar do dia
O ouro escorre da árvore.
As maritacas trincam o céu das frutas maduras.
A vida é perfeita no pomar do dia.
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segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010
O tempo escorre dos cabelos
O tempo escorre dos cabelos
O tempo não existe para o meu avô.
Chega um tempo em que não é mais o tempo
De preparar a terra, calcular a lua, a chuva, plantar e colher.
Chega um tempo em que o homem é a colheita.
O meu avô olha o horizonte, resmunga: ara!
Chega um tempo em que não somos do tempo,
O cachorro do eterno ronronando, mordendo
O calcanhar. E somos cavalos trôpegos, inúteis.
O tempo escorre dos cabelos do meu avô
Que morreu com noventa e dois anos de idade
Depois de muitos relógios quebrados.
Um minuto basta para acariciar o cachorro
Ou para morrer e continuar no tempo,
A mão no pelo do cachorro, na morte prolongando a vida.
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sábado, 13 de fevereiro de 2010
quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010
A copaíba
O sangue verde nas veias
As folhas verdes gritam
O tronco gordo se esparrama
A grande copa cobre a areia branca.
Os galhos vertiginosamente para os lados
Como se não houvesse espaço acima ou abaixo
A copa baixíssima cobre a cidade
Os galhos larguíssimos abraçam os quatro pontos cardeais.
A árvore em oração de joelhos no seu diminuto altar
Um candelabro de folhas verdes louvando a Deus
É a mãe ungindo com o óleo a terra como um filho.
A copaíba é o símbolo da vida contra a farinha da morte
É o universo que nos estende os braços
São os braços de Deus abençoando a cidade.
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A copaíba estava no caminho onde se abriria a avenida Getúlio Vargas, em Bauru. Sacrificar a árvore? Nunca. A copaíba continua lá, no centro da avenida. Porque não é uma simples árvore, mas o símbolo da cidade. Um monumento vivo. Contra a farinha da morte. Esbanjando o seu sangue verde, como que fertilizando esta terra.
segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010
Periscópios
A tesourinha
A tesourinha pousa no fio.
A longa cauda corta o ar.
A andorinha
A andorinha pousa
na placa enferrujada
entre água e o olhar.
Flores
As flores de bucha
subindo no bambual
contra as nuvens brancas.
Namoro
O casal de marrecos
passeia no capinzal.
A imagem
A imagem congelada
das águas fluindo
no córrego.
Nudez
Nascemos nus,
mas com a morte no bolso.
Cur timeam?
Tenho medo
por que estou vivo.
Praga
Uma nuvem branca
do cuspe das lagartas
devora o tronco da árvore.
Premonição
A silhueta dos marrecos
nos galhos da árvore seca.
Folha de mamona
A enorme folha de mamona
respingada de gotas de orvalho.
Periscópios
Oito marrecos navegam
na água do lago.
Vejo apenas as cabeças pretas.
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sábado, 6 de fevereiro de 2010
Estalidos
Quero-quero
Marcha o quero-quero
no capim à beira d’água.
Guarda o seu reino.
Corruíra
Salta a corruíra
da grade de arame
para as margaridas.
A orelha-de-pau
A orelha-de-pau
envolve o tronco da árvore.
Quer escutá-la.
A luta pela vida
O gatinho
devora o passarinho.
A equilibrista
A baitaca se equilibra
no beiral da igreja
com arte e astúcia.
Extinção
Um tronco queimado
no meio do jardim.
O inventor
De tanto medo
eu criei a morte.
Alerta
Com comida no bico
o sanhaço espreita o ninho.
Depressão
O macaco-aranha
agarra com as cinco mãos
as grades da jaula.
O mico branco
O mico branco
com seu olhar triste
ergue as mãos em oração.
O lhama
O lhama sério,
cara de poucos amigos,
urina na grama.
A coruja
A coruja me encara
com os olhos vermelhos.
Eu volto a cara.
Os barcos
Os barcos de pesca
no Saco da Ribeira
flutuam na luz.
A coruja buraqueira
Numa perna só
a coruja buraqueira
me desafia.
A tromba
A parte mais sensível do elefante é a tromba.
A minha também.
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Foto: Sônia Brandão
sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010
Arte poética
Foto: Sônia Brandão
Arte poética
Receba o poema
como quem abre a porta para a luz do dia.
Às vezes a luz não vem,
mas a chuva, o vento, a noite.
São igualmente poesia.
O poema é uma árvore
carregada de frutos e pássaros.
O poema é bom quando você ouve o seu canto
sob a luz do dia
ou sob a chuva, o vento, a noite.
É preciso que haja um menino no poema
ou um velho, que é um menino outra vez.
O poema deve brincar
como um menino
e morrer, devagar, meio louco,
como um velho.
É bom um pouco de loucura no poema,
talvez muita.
São muitas as sombras da vida,
às vezes apenas os relâmpagos da loucura
podem clareá-las.
O poema deve ser fechado como a pedra
e aberto como o ventre da mulher.
O poema não é eterno:
tem a idade do homem.
É preciso,
é inexoravelmente preciso
que o homem esteja presente no poema.
Um poema se faz de palavras
e sangue do homem.
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Arte poética
Receba o poema
como quem abre a porta para a luz do dia.
Às vezes a luz não vem,
mas a chuva, o vento, a noite.
São igualmente poesia.
O poema é uma árvore
carregada de frutos e pássaros.
O poema é bom quando você ouve o seu canto
sob a luz do dia
ou sob a chuva, o vento, a noite.
É preciso que haja um menino no poema
ou um velho, que é um menino outra vez.
O poema deve brincar
como um menino
e morrer, devagar, meio louco,
como um velho.
É bom um pouco de loucura no poema,
talvez muita.
São muitas as sombras da vida,
às vezes apenas os relâmpagos da loucura
podem clareá-las.
O poema deve ser fechado como a pedra
e aberto como o ventre da mulher.
O poema não é eterno:
tem a idade do homem.
É preciso,
é inexoravelmente preciso
que o homem esteja presente no poema.
Um poema se faz de palavras
e sangue do homem.
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quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010
Lápides
Forja
Na forja da tarde,
o martelo da araponga.
Uma laranja cai.
A cigarra
Uma cigarra quebra
as vidraças da tarde.
O salgueiro
O salgueiro estremece.
Maçãs e ameixas maduras
esquecidas no chão.
Sono
Uma aranha metafísica me anula.
O velho cavalo
Subindo a montanha,
o velho cavalo
carrega o sol no lombo.
Poética
Um poema deveria ser como uma lápide.
A eternidade
A eternidade é uma gaivota sobre o mar,
um cântaro de sombra, um cão,
a água parada, uma flor de luz.
Comunhão
Havia um silêncio redondo
e o canto do pássaro.
O canto ia e voltava.
O silêncio, redondo.
Lápide
Eu cheguei antes.
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segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010
Poemas breves
Alba
A dor das ameixas
abrindo-se à luz.
As flores de pedra
Quando as dores do mundo são a dor.
Alvorada
Gira a roda d’água.
O monjolo pila o milho.
Um galo bica a manhã.
Epitáfio
Tinha uma pedra no meio do caminho.
Agora estou debaixo dela.
Maturidade
A maturidade são as rugas,
umas dores, uns achaques.
É saber que, no fundo da chácara,
teu pai está morto.
A língua seca
A minha língua está seca de tanto contar os mortos.
O sal nas pétalas
Quem salgou as pétalas das rosas
secas no caminho?
Fidelidade
Na minha língua vai florindo a flor da loucura.
Oferta
Eu vos oferto os meus olhos, ó príncipes, ó mendigos.
Que quereis mais?
Os jacintos
As palavras eram de pedra
quando morreram os últimos jacintos.
Roca
A lagarta cega entre as folhas da árvore
fia a forma do efêmero.
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