terça-feira, 31 de março de 2009
A teia da aranha
DIANTE DO UMBRAL
Passo a mão pela fronte
E reconheço a noite nos olhos escuros.
Diante do umbral
Com a chave na fechadura
Tenho a dor do homem nos ombros
E sucumbo.
A máquina do mundo gira nos gonzos,
As águas da memória transbordam.
Teço a teia da minha fábula,
Suplico a Deus que me anule.
O pesadelo não termina no labirinto.
Entro e saio do espelho,
Sou sempre outro.
De bruços na metáfora, colho o universo.
O MONUMENTO
Construo um monumento de cristal
Com as minhas mãos nuas.
É ilusório o mundo que conhecemos.
Quem pagará o preço do esquecimento?
Perdido no claustro terrível,
Desenrolo o novelo da pirâmide.
Sou o mesmo sonho desdobrado.
A fonte rumoreja infinitamente.
De quem é essa voz que canta?
Quem toca essa música no labirinto?
Tenho trinta moedas na cintura
E sangro no abismo.
Adivinho nos olhos do falcão
Como é longa a eternidade.
PRIVILÉGIO
As pétalas de uma estrela
caíram no meu jardim
e brilham ainda.
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O título desta página é A Teia de Aranha justamente para chamar a atenção para as fotos, mais que para os poemas. Fica o dilema: Quem é o autor? A Sônia e eu fotografamos com a mesma máquina, um depois do outro, e no fim fica difícil saber quem fotografou - os nossos estilos (ou falta de, eu diria, no meu caso - mas aí complica), também na fotografia, se parecem. Vamos dizer que a maioria das fotos são da Sônia, que se dedica mais à fotografia que eu, mais preguiçoso.
segunda-feira, 30 de março de 2009
A alegria
A relva recobre o chão e viver é tão grande
O peixe me revela a cor das coisas
Sou a semente plantada na terra
Vejo na enxada o nome do universo
Vejo no perfume do pássaro a alegria
A música das águas abraça as árvores
Margaridas dançarinas cantarolam na luz
Um cavalo alazão relincha na invernada
São meus os horizontes das palmeiras
Tenho raízes e a infância grita no mato
Tenho estrume nas botas e grito para o dia
A cobra percorre o caminho da roça
O pincel do lagarto colore a paisagem
O pólen da beleza desenha a vida.
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A ALEGRIA (TAMBÉM) É MATÉRIA DE POESIA
Remexendo nos meus baús (tenho baús? Alguém ainda tem baús? Tenho um, lindo, na sala - como decoração. Mas você sabe que não é desse baú que falo), no baú de há uns 10 anos encontrei esse poema. Achei que não era de se jogar fora, tanto que não joguei. Serve no mínimo para lembrar, coisa de que eu mesmo costumo me esquecer, que a alegria - a alegria e as raízes são matéria de poesia.
quarta-feira, 25 de março de 2009
Réquiem
Parem as máquinas, parem todos os motores
Queimem os livros, as enciclopédias, todas as cifras
Todos os poemas, as palavras e as imagens
Queimem o homem e a sua verdade implausível
Morreu o poeta, o mundo não é o mesmo
A memória do próprio tempo, das árvores e das águas
Desfaz-se ao contato humano, à vigília, ao clarão da aurora
As paredes caem, os olhos explodem no labirinto
O ouro da sombra desmorona, desmorona
O azul do céu e o azul do mar são muito frágeis
Não nos contaram que era tanta a solidão
Parem as máquinas, chegamos ao esquecimento
Queimem os poemas, as imagens continuam cegas e mudas
Nós continuamos perplexos diante da porta sem fechadura.
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Igreja Nossa Senhora do Carmo, Mariana, MG; altar e inscrição tumular no assoalho. Fotos e poema de JCBrandão.
domingo, 22 de março de 2009
Testamento
Deixarei meu olhar no olhar do meu filho
Deixarei minha voz estranha como a vida
Deixarei a minha estranheza nos gestos
Na minha difícil, impossível humanidade
Deixarei o meu sorriso tímido e atrevido
Um jeito enigmático para os outros
Uma correção, um espanto, um sim e não
Deixarei, imperfeita, a minha diferença
Deixarei a minha pele, a minha delicadeza
As minhas palavras ressoando no escuro
Deixarei meus erros e meus escuros acertos
Deixarei o sentido do êxtase, tão pouco
Deixarei o quanto tenho de alma e de absoluto
Deixarei Deus, no espelho, para o meu filho.
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Idéia do poema de Adriana Godói: "O que vou deixar para os meus filhos" http://driaguida.blogspot.com/
sexta-feira, 20 de março de 2009
Folhas do outono
CENA
Na rua molhada
o cachorro morde o rabo.
Cai na poça d’água.
ALVORADA
Os lençóis no varal,
as cerejas vermelhas
e os pássaros da aurora.
AMARELINHA
As crianças gritam
pulando amarelinha
nas sombras do sol.
FLAUTA
As andorinhas no fio
como numa pauta.
Até se ouve a música.
INFÂNCIA
Barcos de papel
navegam na enxurrada
para nunca mais.
FOME
O pardal no ninho
pia com fome da mãe
e da minhoca.
ADEUS
Como lenços brancos
barcos e gaivotas chegam
no mar da tarde.
O SALGUEIRO
O salgueiro chora
lágrimas de ouro e âmbar
na luz da tarde.
OS SINOS
Os sinos de bronze
nas ladeiras de Ouro Preto.
A alma resfolega.
OUTONO
As folhas do outono
no labirinto da vida
enfeitam o caminho.
MEMÓRIA
Na sombra das árvores
a dança da borboleta
e da memória.
FIAPOS
No anoitecer da vida
alguns fiapos de nuvens
e de palavras.
GAIOLA
A gaiola aprisiona
o pássaro,
não o canto.
ASSOMBRO
O gemido da sombra
da árvore que cai.
CAMINHADA
Por mais que caminhe
não chego ao mar
nem à terra.
CRISTAL
Vejo a tua face
na gota de orvalho.
IMAGEM
A libélula
à beira d’água
se procura.
QUIETUDE
Ouve-se
o som da sombra
de uma folha.
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quarta-feira, 18 de março de 2009
A harpa da palavra
INSCRIÇÃO
Passei por aqui
com o vento, as nuvens, o mar
e o sol ao crepúsculo.
À BEIRA
O poeta vive à beira
do abismo
e do êxtase.
EU SEI
Eu sei o que existe
além do arco-íris.
Mas não me importo.
KASPAR HAUSER
Sou um estranho entre os homens
com uma lua no bolso
e um punhal no coração.
D. QUIXOTE
Os moinhos de vento
não seriam nada
sem Sancho Pança.
INTERSECÇÃO
Faz sol lá fora,
mas dentro de mim
chove a cântaros.
O POETA
O bicho-da-seda
farta-se de folhas de amoreira.
Prepara o seu casulo.
KAFKA
Ficou junto à porta
até morrer.
OUTONO
Para onde quer que eu vá
sopra o vento do outono
sobre a água da tarde.
ORIGEM
O caranguejo
anda de lado na areia.
Volta-se para o mar.
NORTE
Onde o meu norte,
nuvens e folhas
ao vento da tarde.
UNGARETTI
Na harpa da palavra,
com os dedos em chamas,
vou tangendo o universo.
UM SINO
Um sino toca
e a noite cai
sobre as árvores.
OLHAR
No meu olhar
cai o orvalho
da manhã.
PEGADAS
Os meus passos na areia
cada vez mais fundos.
Como é longo o dia!
BARCOS
Nuvens brancas no céu azul.
No azul do mar os barcos
e suas velas brancas.
A SIRIEMA
A siriema passeia
no pasto verde
perto dos hibiscos.
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Foto: Sônia Brandão
segunda-feira, 16 de março de 2009
Cacos
SER
Ser ou não ser?
No momento antes da aurora
tudo é sonho.
ALTAR
A rosa e o vinho sobre a mesa
como sobre um altar
esperam o poeta.
O PERFUME
Guardou na pele
o perfume daquela noite
como uma alma.
AS FOLHAS
As folhas giram no ar
e caem na água
entre as pedras e o silêncio.
O PIANO
As cordas caladas
do piano na noite.
A música em mim.
O HORTO
O horto em silêncio.
A lua entre as árvores
e o cheiro de alecrim.
DEGOLA
Degolo de um golpe
o poente e a aurora
e crio a beleza.
QUEM CASTROU
Quem castrou
o gorjeio do pintassilgo
no cipreste?
O VELHO
Sou um velho sem memória.
A minha casa caiu.
Cubro-me de cinza e morro.
A CHAVE
Como uma chave na porta,
pássaros, pedras e peixes
se inscrevem no meu desígnio.
XADREZ
Jogo xadrez
com as estrelas
no tabuleiro da noite.
COMPOSIÇÃO
Pedra a pedra o poema,
com a água, a argila
e as pétalas da rosa.
CACOS
Anterior ao paraíso,
somos os cacos do cântaro
ao sol e à chuva.
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sexta-feira, 13 de março de 2009
Dia da Poesia
REGISTRO ANTECIPADO
Deu no jornal:
A POESIA MORREU.
Explodiram manchetes:
ENTERRADO O ÚLTIMO POETA E QUEIMADOS SEUS POEMAS.
Os governos baixaram leis:
PROIBIDO ESCREVER POESIA.
A ciência decretou:
A POESIA É INÚTIL. CAUSA CÂNCER E AIDS, ALZHEIMER E CEGUEIRA SÚBITA.
Todos os livros foram queimados. Perigo suas palavras se transformarem em poesia.
Todas as palavras foram canceladas. Proibido escrever ou simplesmente falar.
Ainda se estuda uma alternativa. O que substituiria a palavra? Imagens? Mas a imagem se transformaria em poesia, essa excrescência.
O homem fala por natureza. A fala por natureza se transforma em poesia. Impossível castrar-se a fala? Elimine-se o homem da face da terra. Elimine-se a ideia de homem.
Construímos máquinas tão perfeitas que se comportam como homens. Eliminem-se as máquinas: nada que lembre o homem. As máquinas acabariam criando poesia.
Tudo está solucionado:
A POESIA MORREU.
ENTERRADO O ÚLTIMO POETA
E QUEIMADOS SEUS POEMAS.
ELIMINADO O ÚLTIMO HOMEM.
ELIMINADA A MÁQUINA,
QUE SE COMPORTAVA COMO O HOMEM,
FALAVA E ESCREVIA
E CRIAVA POESIA.
Isto está sendo registrado antes que aconteça. Depois será impossível. A palavra, o homem, a vida serão impossíveis. Tudo culpa da poesia.
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Homenagem ao Dia Nacional da Poesia - 14 de Março - aniversário de Castro Alves.
O cheiro da terra
O ORVALHO
Não ouvi bem
o que a gota de orvalho
disse à pétala de rosa.
O CHEIRO DA TERRA
A chuva sobre as flores
e o cheiro da terra úmida
na tua pele arfando.
DESERTO
Penetro no deserto
em busca da aurora
que engendro.
O TEU CORPO
Lembro o teu corpo
debaixo d’água
brilhando para mim.
SOMBRAS
À luz da lua
as nossas sombras
se misturam.
LUA NOVA
A lua nova
entra cantando
pela porta.
ÓBOLO
O poeta escreve na areia
as imagens da memória.
Um óbolo ao esquecimento.
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quinta-feira, 12 de março de 2009
Leveza
MAS QUEM?
Quem pisou os espinhos,
deixou o sangue nas pedras
e voou com as andorinhas?
REMEMBER
Lembrai-vos da dor.
Depois nem de Deus-Abismo
será possível esquecer.
A ROSA DE OURO
Quero a rosa de ouro.
Quando o unicórnio do tempo
volta para Deus.
EXÍLIO
Exilamos a palavra,
a rosa e a pedra de Deus
e de nós fomos exilados.
ENTRE
Entre nascimento e morte
a solidão da pedra
sob o cipreste azul.
LEVEZA
A terra me seja leve.
Não me afaste do mar
nem de Deus.
LOUCURA
O poeta enlouqueceu
e nunca mais interrompeu seu canto.
(Foto: Sônia Brandão)
quarta-feira, 11 de março de 2009
Junto à fonte
JUNTO À FONTE
A rosa floresce,
junto à fonte interminável
abre as pétalas de luz.
OFERTA
Ofereço os meus olhos
ao esquecimento.
Amo o deserto de Deus.
O VENTO
A vida me exclui.
Somente o vento ouve o meu grito
e a música dos meus ossos.
AMOR
Amo a rosa e a pedra.
Florescem no meu jardim
ao mesmo tempo.
QUIETUDE
A árvore cresce no deserto.
Na quietude da areia
a noite prepara a aurora.
O FIGO
O figo estourou.
O sol tocava a flauta
do vento.
FÉ
Dizei uma palavra
e a pedra florescerá.
(Mas a pedra é uma flor.)
terça-feira, 10 de março de 2009
Ubi sum
UBI SUM
Que lugar é este?
Que plaga do mundo?
Tudo é mar no horizonte.
A ESFERA
Quem me deu esta forma?
A esfera do tempo me excede.
HORIZONTES
O barco me espera.
O sol brilha no horizonte
depois do horizonte.
VOO
O corpo floresce.
A alma dentro d’água
e a papoula na janela.
AVE MARIA
Rogai por nós, Senhora,
agora e na hora
do esquecimento.
PERSISTÊNCIA
Os jacintos floresceram
depois de mortos.
VERÃO
Só uma andorinha
com a luz do sol nas asas
faz todo o verão.
segunda-feira, 9 de março de 2009
A Menina Cega
Num lugar qualquer do mundo,
Uma menina cega, que eu não conheço, pensa em mim.
Olha para um lado, talvez para o outro,
E derrama uma lágrima num canto do olho
Por mim, que ela não conhece.
A menina cega pensa em mim
Como um morto anônimo, um fruto podre caído no chão,
Uma folha morta, uma árvore morta, um rio morto.
A menina cega pensa em mim
E vê a imagem de mil pássaros mortos à beira do rio,
Como pequenos anjos exterminados, sob uma única árvore morta.
O ar asfixia, mata; a terra se parte e esfarela, inútil.
Os homens morrem, inúteis.
A menina cega sabe e chora uma lágrima inútil, por mim.
(Foto de Sônia Brandão)
domingo, 8 de março de 2009
Dia Internacional da Mulher
A ROSA
O seu perfume permanece mesmo depois que foi cortada
E repousa no vaso, na mesa da sala.
Ando na ponta dos pés para não acordá-la.
A casa paira no ar com o seu perfume.
É vermelha como sangue.
Eu me aproximo devagar
De uma pétala caída na tolha branca
E a levo com cuidado aos lábios.
A rosa no vaso é eterna,
A pedra do tempo não pode assassiná-la.
Entro em êxtase com o seu néctar.
É a imagem da mulher vinda do fundo do mistério
E modula com a língua do silêncio
A palavra essencial.
(Foto de Sônia Brandão)
sábado, 7 de março de 2009
O Paraíso do Matão
OS FRUTOS DA TERRA
Os frutos no chão,
as palmeiras, o mar
e as ondas na areia.
SAUDADES DO MATÃO
Nasci no Matão.
É o meu Paraíso Perdido.
Eu sou quem sou.
O PARAÍSO PERDIDO
Nasci à sombra da figueira
com as raízes na terra
e os olhos no céu.
A SARÇA ARDENTE
No mar de coral
encontrei a sarça ardente.
Deus está em todo lugar.
POR QUÊ?
Por que a vida e a morte?
A vida é a árvore verde,
a morte é o céu azul.
ALHEAMENTO
Estava vivo
deitado embaixo da terra.
Como nós, não pensava na morte.
INQUIETAÇÃO
Quem pagará o aluguel
do meu túmulo?
ALEGRIA
As crianças gritavam de alegria.
O ribeirão voava sobre as casas
com toda a luz das suas águas.
sexta-feira, 6 de março de 2009
Sempre o mar
DESTINO
Os homens, como os rios,
correm para o mar.
QUEM?
Quem ouve o meu grito?
Tomo o cântaro de barro
e sacio a sede.
A RÃ
Um inseto na língua,
a rã coaxa no lago
contra o espelho das águas.
A MEMÓRIA
A memória das árvores
permanece além das cinzas.
Um pássaro canta.
A VELHA
Sonhei com a velha.
Vinha vestida de branco
e me amortalhava.
SOMBRA
Uma ave obstinada tecia
com uma agulha azul
o círculo de sombra do relógio.
O MAR
O mar era o início.
O mar é alguém, ninguém.
Eu estarei no fim?
(Saco da Ribeira, em Ubatuba, SP.
Foto e poemetos de JCBrandão.)
quinta-feira, 5 de março de 2009
E agora, José?
SONO
Os olhos do andarilho
beberam todas as paisagens.
Deixa-os dormir, deixa-os dormir.
AS PEDRAS
As águas passam
e levam as folhas das árvores.
As pedras, polidas, ficam.
A CORUJA
Ouça a coruja
pendurada na janela.
Canta para mim.
REPOUSO
A pedra descansa
com as folhas do carvalho
e as patas dos cavalos.
E AGORA?
E agora, José?
No alto da montanha
cantas mais alto.
VIAGEM
Sob a figueira da manhã,
sob a água do ribeirão,
o meu cavalo me espera.
CREPÚSCULO
O toque do sino
e a coruja no sótão
encerram o dia.
Foto e poemetos de JCBrandão
quarta-feira, 4 de março de 2009
Cinzas
MAS
Tinha a garganta cortada
e os olhos vazados,
mas ouvia os pássaros.
FÊNIX
Das cinzas da palavra
voa um pássaro.
AS CRIANÇAS
Os cabelos dourados
das crianças no pomar.
Cantam macieira acima.
O MELRO
O rio calmo.
O melro canta
imóvel como a água.
PERMANÊNCIA
Só restaram cinzas
sobre a terra nua,
mas era uma árvore ainda.
A PASSAGEM
As árvores esperam
a passagem do rio
que não passa, não passa.
NA NÉVOA
Na névoa do vale
as pedras à beira d’água
absorvem a luz.
terça-feira, 3 de março de 2009
Águas
O RIO
O rio deflui,
banha as folhagens do dia
e o corpo da mulher.
A MAÇÃ
A maçã repousa
com a macieira, o rio e o vento
no linho da mesa.
O SAL
O sal sobre a rosa,
a névoa sobre os pinheiros
e a terra sob o mar.
BUSCA
Mergulho no escuro,
busco o brilho das estrelas
no abismo de Deus.
A CONCHA
A casa é uma ostra
no fundo do mar.
SABEDORIA
Seja sábia de dia,
seja sábia à noite, ó alma.
Desce a névoa que esperas.
A ESFINGE
Decifra a pedra
da paisagem submarina
e morre enfim.
segunda-feira, 2 de março de 2009
pedras
A PEDRA NO LAGO
A pedra no lago
de círculo em círculo
não deixa vestígio.
ASCENSÃO
A ascensão da encosta
passo a passo. Na subida,
o assobio do vento.
A LIBÉLULA
A libélula mergulha
com a montanha nos olhos.
AGONIA
A agonia da canoa
de borco na areia
para sempre.
AS RUGAS
Os passos na areia
como um caranguejo
as rugas na cara.
ESTRELA
Passei por aqui
plantei esta pedra
palavra de sombra.
domingo, 1 de março de 2009
Marcas
MARCAS
Os passos na areia
por mais que os apague o mar
indeléveis marcas.
ENCONTRO
No fundo do lago
os peixes dourados
e a imagem das árvores.
SOLIDÃO
Quando penso em solidão
penso numa pedra.
Espero florescer.
LÁGRIMAS
Lágrimas no olho do pássaro
o canto quebra a pedra
de tão belo.
AS CRIANÇAS
De onde vêm, para onde vão
as crianças rindo
ao pé da montanha?
VAI-SE O PÁSSARO
Vai-se da pedra o pássaro
como se não tivesse
mais esperanças.
AS RAÍZES
As raízes da árvore
dentro das paredes
da casa em ruínas.
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