segunda-feira, 30 de junho de 2008

A terceira margem da vida


“A terceira margem do rio” é um continho com todo um mundo dentro. Qual seria a sua gênese? Guimarães Rosa conta-a em uma crônica. Como, de onde teria surgido essa idéia estranha? De contos populares, lendas, crendices? Algum maluco do sertão teria algum dia realizado uma meia façanha dessas, meia apenas, de tão inverossímil?

G. Rosa conta em sua crônica a história de um viajante incansável, que veio da Holanda ao Rio de Janeiro, do Rio ao Recife, e à Alemanha, à Inglaterra, sempre a um porto diferente, sem aportar em nenhum. Estava sempre em viagem. Estava sempre na terceira margem.

Era o tempo em que o mundo vinha abaixo, nos anos da 2ª Guerra Mundial, tempo de perigo, de espionagens, de muita gente vivendo uma vida secreta. Mesmo G. Rosa e sua mulher Ara viviam vidas secretas, paralelas à sua existência burocrática de diplomatas, conseguindo papéis para milhares de judeus escaparem do extermínio nazista. Os homens matavam e morriam, ninguém confiava em ninguém, viver era perigoso. Não é assim à toa que G. Rosa escreve essa frase – “Viver é perigoso” – em seu monumental “Grande Sertão: Veredas”, composto nessa época.

E, enquanto isso, enquanto o mundo tremia em suas bases, um homem comum, aparentemente sem quê nem porquê, inventa de realizar uma idéia incomum: não morar em lugar nenhum. Estava sempre em viagem. Sempre na terceira margem.

Era uma história – G. Rosa inventa de escrever “estória”, tão vulgarizada, sem sentido, sem eira nem beira, estava a História. Era uma história extraordinária. Bastava escrevê-la com engenho e arte, uns quantos personagens acessórios, umas quantas cenas acessórias, uns contrapesos aqui e ali, para dar peso ao protagonista – que era um homem comum, o seu tanto sem graça.

G. Rosa já tinha passado pela experiência de escrever um conto que vai se alongando, alongando, até chegar a umas seiscentas páginas. Foi assim com “Grande Sertão: Veredas”. Era um conto, verdade que um conto longo como os de “Corpo de Baile”, que estava escrevendo nessa época, de umas setenta a cem páginas cada um. Mas o rio era baldo – o narrador Riobaldo deixou extravasar suas águas, que eram tantas, e o conto ficou daquele tamanhão.

G. Rosa está escrevendo as “Primeiras estórias” – primeiras mesmo, não mais o caudal de águas em ebulição dos contões anteriores, mas agora histórias curtas, fábulas de umas três a seis páginas. Está mais contido e está mais artista. (O excepcional contista mexicano Juan Rulfo é seu amigo então). Acabaram-se os tempos difíceis cheirando a pólvora e a morte da 2ª Guerra, quando não se tinha tempo para ser breve, para se conseguir a síntese que uma obra de arte exige – condensar a realidade, até que dela só exista a essência.

É assim que, de alma leve, descansado, G. Rosa situa a sua história, como não podia deixar de ser, nas suas Minas Gerais. O seu personagem é um caboclo simples, rude, tosco, incapaz de uma idéia fora do comum. O narrador é seu filho, que não acredita na esquisitice do pai, esquisitice mas bem planejada, palmo a palmo: conta como vai entalhando o barco em madeira de lei, forte para durar muitíssimos anos, sem falar com ninguém, até o dia em que se despede da família, ainda sem nenhuma explicação, nenhuma palavra. Deita um meio carinho no filho, quase uma bênção. A mulher deita-lhe uma quase maldição, que, se quer ir, que vá para sempre, não volte nunca mais.

O homem vai para não voltar nunca mais, mas também não vai para sempre: está ali à frente, dentro do rio, sem ter ido para lugar nenhum. O filho, menino, torna-se homem feito e feio como o pai: sempre à margem do rio comunicando-se à sua maneira, até arremedando o jeito, as feições, com aquela assombração que não está nesta nem na outra margem do rio, presente e ausente a um tempo.

É a mesma história da crônica dos tempos da guerra, em que o personagem comum também, sem invencionices também, fugia da guerra e da vida impossível, não estando em lugar nenhum. Numa terceira margem – que é também nenhures.

A velha da maçã
















O menino repousa sobre um barco

Coberto de palha e panos.


Um boi, um burro e um cão guardam o sono

Do menino deitado no seu berço


Que é um barco e navega com as estrelas

Nas vastas águas da noite.


O homem medita no mistério azul

Do menino nascido de um peixe de luz.


Uma velha mulher trouxe uma maçã

Para a mãe do menino.


Era uma estranha e veio do outro lado do tempo

Com a maçã para a mãe do menino.


Era Eva e voltava do Paraíso

Com a maçã e a serpente na mão.


segunda-feira, 23 de junho de 2008

Fluir














Um rio flui da montanha, outro da estrela.

Deságuam no meu peito velho de milênios.


Estou imóvel, à beira da estrada, como um rochedo.

Uma árvore me envolve com os braços verdes.


Tenho os pés plantados na terra como raízes.

A seiva densa escorre nas minhas veias.


Os gaviões se agarram aos meus cabelos

E gritam desesperados para o céu


E bicam os meus olhos, a minha língua.

O meu cachorro já se converteu em pedra.


O meu cavalo espera o meu chamado,

Mas tanta água flui dos meus pulmões.


Um peixe navega nas minhas entranhas.

Revolve, dentro de mim, a memória de Cristo.


domingo, 22 de junho de 2008

Caim















Carrego o sangue do meu irmão para toda a eternidade.

Eu sou o meu irmão morto com uma pedra na cabeça.


Aprendo o que é morrer, o que é acabar.

A morte é o silêncio de uma pedra.


Os lábios de Abel não dirão mais nenhuma palavra.

É isto a morte: este silêncio, este sangue sobre a terra.


Que farei com Abel? Que é que se faz com um morto?

Que farei comigo? Eu, que inventei a morte?


Nos olhos do meu irmão vejo o universo refletido.

No corpo morto eu conheço o meu tamanho de homem.


O sangue do meu irmão não clama por vingança:

É um espelho. É a essência do que sou.


É a marca do homem, seu direito e avesso.

O sangue do meu irmão morto me alimenta.


quinta-feira, 19 de junho de 2008

O instrumento

A jovem cantora (27 anos) Ana Cañas, como por acaso, diz: “Descobri o canto como um instrumento”. Foi quando se descobriu cantora. O poeta também se descobre poeta quando descobre a língua como um instrumento. Se você tirar música de sua língua, se o seu poema cantar, se for autônomo, valer por si só, você é um poeta.

Como eu sei isso? Basta você ouvir alguém cantar para saber que é um cantor. Assim com o poeta: basta lê-lo. Quem desafina, não “tem voz” ou “canta muito bem”, apenas, certamente não é um cantor. O poeta também: não basta escrever muito bem. O seu poema deve soar como perfeito. Não deve ser como o “cantor de banheiro” ou como quem canta para um grupo de amigos.

Por isso não é fácil saber se alguém é um poeta: seus primeiros leitores são os parentes e os amigos. Péssimos julgadores. Sempre é preciso que outrem lhe diga se é um poeta. O problema é que esse “outrem” é um grande mentiroso.

Feliz ou infelizmente, é preciso publicar. É preciso que “outrem” seja de fato outrem, alheio, indiferente. Se o seu poema não o deixou indiferente, você é um poeta.

Mas como saber se ele entende mesmo do assunto? Se não está enganado? Não importa: você é um poeta para ele.

Assim, os concursos literários são um mal necessário. Embora haja apadrinhados, como em qualquer lugar, os jurados vão lê-lo com olhos críticos. Vão lê-lo comparando-o a cem, duzentos, trezentos ou mais outros poetas: se sobreviver a esse teste, você é um poeta.

Veja bem: é preciso sobreviver aos erros desses jurados, a seus subjetivismos, suas idiossincrasias, a algumas cartas na manga. Muitas vezes à burrice desses jurados. Podem estar julgando, como os críticos, porque não sabem criar.

Vou terminar saindo um passo ou dois do assunto. Citando Betty Milan (de ouvido): “O artista poderia ser chamado de Salvador, como Cristo. A arte salva.”

Depois, André Gide (segundo a mesma Betty Milan): “Quanto mais entraves, mais perfeito o texto”. Lembro que esses entraves não devem aparecer, num texto, em sua arte final. É o que dizia Olavo Bilac, no seu Arte Poética. Apesar de ser um parnasiano superficial, era um artista da palavra. O poeta tem que ser um artista da palavra.

Falando em entraves, lembro-me de Cioran, que, romeno, lutou contra os entraves da língua francesa até escrever no mais puro francês.

Mais uma observação. O escritor precisa, inclusive, violar a gramática. Proust violava. Não é o quanto basta para se fazer um Proust. Não basta, mas é uma condição sine qua non.

Por fim. A nota final. Decisiva. A poesia deve exprimir a eternidade. O poeta só escreve para lutar contra a morte. Se você não pode deixar de escrever, tem que derrotar essa inimiga fatal, a morte, em nome da eternidade, você é um poeta.

Grande coisa?! Grande condenação. O poeta é um condenado a lutar contra a língua, seu instrumento musical, para tornar palpável a eternidade. Uma missão impossível.

quarta-feira, 18 de junho de 2008

O filho pródigo


O meu grito para a árvore da infância:

“Sou o filho pródigo que volta do exílio,


Fustigado pelos temporais e secas do deserto.

Senhor, o esquecimento pesa sobre os meus ombros,


Não me reconheço na cozinha ou na varanda

Da minha casa. Sou outro. Sou ninguém.


A solidão foi o meu alimento de todo dia,

O meu prato sempre cheio até a borda.


A cisterna amarga foi testemunha

Da minha angústia, do meu silêncio.”


Somente a árvore da infância continuava ali,

Compassiva, chorando folhas amarelas,


Os braços abertos ao longínquo horizonte,

Esperando, materna, por minha volta impossível.


Intertextualidade


A idéia não é nova, mas este texto é sobre isso mesmo: Não há idéias novas. Nada se cria, tudo se copia – já dizia Chacrinha, o gênio da televisão. Vejam: o assunto é tão banal que é preciso citar gente banal.

Não que eu menospreze Chacrinha. Digo o que ele gostaria que dissessem dele: que não é intelectual, mas povo. Portanto, banal. O povo – preciso dizer? – não se diminui por ser banal. É um organismo vivo, não uma abstração. Banal, cabal.

Vou fazer também uma releitura de Lavoisier: Na arte nada se perde, tudo se transforma? Não: Tudo se come. É a Antropofagia de Oswald de Andrade: Tudo se come, se copia, e, assim, entra velho – sai novo.

Camões copiou “Sôbolos rios que vão...” de São João da Cruz, grandíssimo poeta seu contemporâneo, além de santo. Não ao pé da letra: deu-lhe o toque camoniano. “Sôbolos rios...” tem todo o sabor camoniano, apesar de nascer de outra mente e coração.

Como “Alma minha gentil...” nasceu do estro de Lope de Vega, para a obscuridade das excelentes obras perdidas nos desvãos do tempo, não fosse Camões se apropriar dela, degluti-la, fazê-la sua. Um poema delicadíssimo sobre o amor perdido. Um poema conhecidíssimo de todos nós graças a Camões, que a tirou do limbo para a glória.

Camões virou Vergílio do avesso, tomou o seu “arma virumque cano” e tornou-o “as armas e os barões assinalados”, tomou a história de Roma e cantou a história de Portugal. Foi só um ponto de partida, mas devorando a Eneida para parir Os Lusíadas.

Hoje damos esses nomes elegantes – intertextualidade, diálogo com outras obras, citações – a processos antigamente naturais, mas que há pouco eram puro plágio, roubo, crime intelectual.

A arte, afinal, nasceu anônima. Era propriedade humana. Existia para ser fruída pelo homem. Não importava quem tinha feito. Por isso a dúvida se Homero teria existido, embora alguém certamente tenha escrito as histórias fabulosas que aquele cego cantava de cidade em cidade.

Até de Shakespeare, muito mais próximo de nós, há gente que chegou a negar-lhe a existência. Claro que alguém escreveu aquelas peças essenciais que elevaram a literatura a seu nível mais alto, mas ainda se questiona: Quem foi Shakespeare? Teria um outro nome?

Cervantes, seu contemporâneo, chega a brincar com essa história de autoria. No segundo volume do seu Quixote, inventa um árabe que teria escrito as aventuras do fidalgo nascido num lugar da Mancha e seu escudeiro Sancho Pança, dizendo ser ele mesmo, o autor, apenas um tradutor.

Hoje, com a Internet, embaralha-se outra vez a questão da autoria. Não se sabe mais quem é quem, vivemos num mundo virtual em que, virtualmente, tudo é de todo mundo.

Os antigos praticavam a intertextualidade – com uma certa antropofagia oswaldiana – a seu bel prazer, sem citar os nomes das obras ou autores citados, como uma homenagem, estaria firmado um acordo de cavalheiros do espírito de que todos sabiam a propriedade da obra copiada com engenho e arte, para se tornar nova e com nova autoria.

Depois, banalizou-se o processo e surgiu o problema do plágio, como crime.

Hoje o autor é ninguém, uma entidade virtual, portanto inexistente na vida real. Embaralham-se os autores, cita-se uma obra atribuindo-se sua propriedade intelectual a esse ou aquele aleatoriamente, tanto faz, ninguém é ninguém.

Voltaremos ao estágio primitivo em que a arte não tinha dono, era criada para a fruição estética de todos, para o prazer, a elevação do homem? Não se criava por dinheiro, fama, nem por nenhum motivo torpe ou nobre que foi surgindo ao longo dos séculos. O criador era, como diria Borges, um amanuense do Espírito.

Quem dera estivéssemos regredindo a esse mundo ideal...

quarta-feira, 11 de junho de 2008

Imagens a Crusoé





                                      Imagens a Crusoé


Lá pela página 100 de sua obra centenária “Ortodoxia”, G. K. Chesterton fala da lista dos objetos resgatados do naufrágio de Robinson Crusoé. E conclui que o maior dos poemas é um inventário. Cada utensílio torna-se ideal porque Crusoé poderia tê-lo perdido no mar. Assim, o nosso grande poema é tudo o que temos, o inventário dos salvados do naufrágio do nosso universo.

Pensei fazer o meu inventário. Não posso resistir ao convite de compor um poema. Mas me previno: tudo que tenho. Não pretendo lembrar tudo que tive. “Funes, o Memorioso”, de Borges, é a história de um personagem que lembra tudo, cada folha, cada nuvem, cada palavra que vira ou ouvira. É enlouquecedor. Por isso a nossa memória é seletiva. Lembramos o mínimo, para que não enlouqueçamos.

Vou fazer o inventário dos objetos que tenho. O horizonte que vejo pela janela à minha direita, onde o sol se põe pintando as nuvens e as árvores, é meu – mas é muito vasto. Preciso falar das coisas pequenas do meu cotidiano. À minha esquerda está a estante com os meus livros, os objetos mais preciosos que compõem o meu mundo. Embora não tenha muito mais que 400 livros, número que estabeleci há uns 40 anos segundo sugestão de Dantas Motta, como ideal para ler e reler em minha vida, - não poderia falar sobre cada um deles. São muitas recordações. Um livro é um homem, é um mundo.

Machado e Graciliano, paternais, severos, me olham enviesado. Os poetas? Não posso preterir nenhum: são muitos mestres que me acompanharam a vida inteira. Maternais, digamos, ao contrário dos prosadores, mas também severos, também me olhando enviesado. Dois livrões amarelados, feios, a ligá-los somente um monossílabo vermelho na capa: “Eu” e “Só”.

Não quero ser injusto com nenhum poeta. De quem me lembraria? Os meus olhos percorrem a estante. Paro em Saint-John Perse. E me lembro de que Sain-John Perse escreveu um livro chamado “Images à Crusoé”. Quê?! Vou conferir a data, sei que é um dos primeiros livros de S.-J. Perse, do início do século passado. Leio: 1909. Não é que foi publicado um ano depois da “Ortodoxia” de Chesterton?! Teria escrito “Images à Crusoé” sob a influência da “Ortodoxia”? Em sua nobreza, alta, senhora dos valores do espírito, último baluarte da grandeza humana – é obra elaboradíssima, de modo algum se pode dizer que foi feita às pressas. Vejo que há poemas datados de 1904, por exemplo. Mas é agradável reencontrar lá um poema ao papagaio, ou ao guarda-sol de pele de cabra, ou mesmo a Sexta-Feira. Como propôs Chesterton, é um inventário das coisas de Crusoé e do único ser humano com quem conviveu.

Nós trombamos todos os dias com dezenas, centenas de pessoas. Nem temos tempo de reparar nelas. Crusoé tinha apenas Sexta-Feira e todo o tempo do mundo para observá-lo intensamente. Crusoé tinha apenas um punhado de objetos, por isso essenciais. Nada podia ser desperdiçado. Crusoé tinha apenas um livro, por isso essencial. Um Homem e um Livro. Podia se dedicar inteiramente, de corpo e alma, a seus poucos pertences, ao Homem e ao Livro. Chego a ter inveja da miséria de Robison Crusoé. Senhor, que a minha miséria me seja leve, que eu saiba viver a minha miséria com todas as minhas forças. Senhor, que eu não seja menor que os objetos que me circundam, e que eu seja digno de conviver com os outros homens, meus irmãos. Todo o peso das pobres imagens de Robison Crusoé cai sobre mim – e me calo.




segunda-feira, 9 de junho de 2008

Luzes e trevas









A flor se inclina para a terra e para a noite

À beira do poço um anjo vela a minha morte.


Os segredos do abismo se revelam

E se escondem com os pássaros do caos.


A beleza sorri por si só

O anjo ergue a espada contra o homem na montanha.


A pedra jaz no fundo do rio

Entre os peixes e as algas cegas.


No princípio Deus separou a luz das trevas

As estrelas nasceram e morreram.


Os lábios se abrem para a pergunta:

E se o universo não existisse?


Quando despertei dentre os mortos

O sopro de Deus me elevou além do nada.


sexta-feira, 6 de junho de 2008

O silêncio das sereias










As ondas do mar apagarão o meu epitáfio

Não compreendo a paisagem que emerge do caos.


As palavras me fitam no escuro com seus olhos abertos

Rodopiam num vórtice azul que nasce do vazio.


A cornucópia revela o universo: os cavalos ao sol,

A baleia em alto mar e a estrela no abismo.


A gota de orvalho na orquídea é bênção e terror

Quero cunhar as palavras num monumento de bronze.


Navego encantado pelo silêncio das sereias

Uma faca cega me arranca a língua.


A rosa em chamas entre as árvores queimadas do jardim

A pedra me esmaga: sou cinza e ruínas antigas.


O espelho baço não reflete a minha imagem

As ondas nas areias da praia lavam o meu nome.


quarta-feira, 4 de junho de 2008

O mártir do êxtase










A estrela apagada da melancolia

Na torre solitária da meia-noite.


Acendo a minha lâmpada no óleo negro

O meu desejo se esgotou, no corpo e na alma.


Enclausurado na cisterna seca,

Ausculto o coração da Ursa nos céus estrelados.


Contemplo a beleza, as altas verdades

Bebo da fonte a essência da tristeza.


A solidão me esvazia, sou nada.

A esfinge me carrega para o abismo.


Sou o mártir do êxtase na solidão

A vida pulsa como um pulmão verde.


Sou o universo inteiro para mim mesmo

O meu silêncio fala o verbo essencial.


O silêncio do universo











Falo com o universo silencioso

Que nunca me responde.


É a solidão do cacto no deserto

É o mármore da tumba na noite.


Não encontro a chave no escuro

Onde a água para a minha sede?


Como libertar o ser fechado?

O claustro me cega e me ilumina.


Sou purificado pela rosa do abismo

Os pássaros da memória me beijam a língua.


Penetro no mosaico da lucidez

Penetro no labirinto subterrâneo da linguagem.


É o prenúncio do silêncio e da solidão

É a concha, é a pedra, é o poço do afogado.

 

 

 

terça-feira, 3 de junho de 2008

A velhice do poeta











Cortei a minha língua, por inútil.

Os pássaros caem das árvores secas.


Deito-me na terra, entre as pedras,

Sob o lençol da minha miséria.


À beira do leito seco do rio,

Sinto-me queimar pelo fogo do sol.


Leio a minha sorte nas fezes quentes

De um animal morto, à minha imagem.


Estudo o enigma do silêncio

Nas estrelas longínquas do céu vazio.


O meu coração se esqueceu de quem era

E dialoga com o espelho quebrado.


A imagem turva não o reconhece.

Converto-me nas pedras, sobre a terra.